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É possível penhorar bens de empresas do mesmo grupo econômico?

Atualizado: 28 de jan. de 2022



Reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra.


Introdução


O escopo do presente trabalho é apresentar ao leitor uma visão técnica e prática do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, com ênfase na recuperação judicial de crédito.


Abordaremos a pretensão de inclusão, no polo passivo, das empresas que fazem parte do mesmo grupo econômico que a devedora e de seus sócios comuns, por meio do referido instituto, mediante a comprovação da confusão patrimonial nos autos.


Em termos de conclusão, será realçada a sua importância, em defesa da integridade do ordenamento jurídico; para readequar a empresa devedora a sua função social, bem como, a repristinar a distribuição legal de riscos, em face do abuso da personalidade jurídica, como uma forma de atendimento próprio, bem como dos interesses coletivos, dentre eles, os credores prejudicados.


Personalidade e Empresa


Sujeito de direito é o titular de direitos e obrigações na esfera do direito civil.


Modernamente, sujeito de direito é tido como gênero sendo suas espécies: as pessoas físicas ou jurídicas, únicos entes dotados de personalidade jurídica.


Por sua vez, os entes despersonalizados, embora destituídos de personalidade jurídica detêm alguns direitos e algumas obrigações, podendo praticar os atos para os quais estejam expressamente autorizados ou então aqueles que digam respeito à sua finalidade (Massa falida, espólio, herança jacente, condomínio edilício, e etc.).


A pessoa física ou natural é dotada de personalidade jurídica, entendida como a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.


Neste compasso, a personalidade é adquirida com o nascimento com vida.


Empresa, para o Direito, é a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Não tem personalidade jurídica e não é uma pessoa jurídica.


Feitas essas considerações analisaremos o conceito de empresário no ordenamento jurídico.


O artigo 966 do Código Civil o define:


“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”

A partir do conceito legal trazido pelo dispositivo o Professor Sergio Campinho define empresário como:


“a pessoa física ou jurídica que exerce profissionalmente (com habitualidade e escopo de lucro) atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços no mercado” [1]

Deste modo, empresário é a pessoa empreendedora de uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços.


São sujeitos dessa atividade: (i) empresário individual (pessoa natural; art. 966); (ii) sociedade empresária (pessoa jurídica, conforme art. 44, II, CC; e art. 982, CC); e, finalmente, a EIRELI (pessoa jurídica, conforme o art. 44, VI, CC; e art. 980-A, CC).


Aquisição e efeitos da atribuição da personalidade jurídica as sociedades empresárias


A personalidade jurídica atribuída à sociedade empresária dar-se-á com o registro dos seus atos constitutivos.


Neste compasso, transcrevemos os artigos 45 e 985 do Código Civil:


“Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”
“Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)”

Este é o marco inicial da existência legal da sociedade, frisa-se, como pessoa jurídica de direto privado.


O término da sociedade opera-se nos casos de dissolução.


Sobre o assunto, leciona o Professor Campinho [2]:


“Começa, a partir do registro, a existência legal da sociedade, como pessoa jurídica de direito privado que é, existência essa que termina após a partilha do acervo remanescente entre os sócios, acaso existente, ultimada a fase de sua liquidação, judicial ou extrajudicial, iniciada com a verificação de uma causa (dissolução), como por exemplo, o vencimento do prazo de sua duração quando contratada por prazo determinado, o consenso unânime dos sócios que resolvem acertar o distrato social (dissolução de pleno direito) e a anulação de sua constituição (dissolução judicial)”

Para Fran Martins [3], há de se considerar na extinção da pessoa jurídica a existência de períodos distintos, a saber:


“Ora, a regra estabelecida pela lei civil, dispondo que a existência da pessoa jurídica termina com sua dissolução, merece ser devidamente compreendida. Na realidade, a extinção das sociedades comerciais compreende períodos distintos: um período em que se paralisam todas as atividades externas da sociedade, a que se dá o nome comumente de dissolução; um período em que a sociedade realiza o seu ativo e liquida o passivo, ou seja, transforma todo o seu patrimônio em dinheiro e satisfaz os compromissos assumidos, a que se dá o nome de liquidação; e um período final, que em verdade, não influi na extinção da sociedade, em que se faz distribuição entre os sócios convencional ou proporcionalmente, se não houve acordo no contrato social, dos lucros obtidos pela sociedade, tendo este o nome de partilha”

Emerge da lição da doutrina citada que a extinção da sociedade somente se aperfeiçoará quando satisfeitos os três distintos períodos e arquivados no Registro do Comércio os documentos relativos à extinção da pessoa jurídica.


No tocante aos efeitos da personificação, o mestre Campinho [4] destaca: “1º) Patrimônio próprio; 2º) Nome próprio; 3º) Nacionalidade própria; 4º) Domicílio próprio”


Deste modo, a sociedade é capaz de assumir direitos e obrigações, de forma distinta da de seus membros.


Para fins de preparação prévia ao estudo dos próximos tópicos, importante frisar a diferença entre a despersonalização e desconsideração da personalidade jurídica, valendo-se da lição do professor Comparato [4]:


“É preciso distinguir, cuidadosamente, entre despersonalização e desconsideração da personalidade jurídica. (…) A desconsideração da personalidade não suprime a autonomia subjetiva da pessoa jurídica, como ente distinto da pessoa de seus sócios ou administradores, mas afasta-a tão só provisoriamente e para o caso concreto. É, portanto, uma técnica de efeitos relativos (…)”

A causa da desconsideração, isto é, o uso abusivo da personalidade jurídica, deve ser buscada no desvio dos fins estabelecidos no contrato social ou nos atos constitutivos, podendo caracterizar-se, também, como alerta Comparato [5], “na confusão entre o patrimônio social e o dos sócios ou administradores, ainda que mantida a mesma atividade prevista, estatutária ou contratualmente”


A confusão patrimonial tendo como aparato as empresas do mesmo grupo econômico


Para ilustrar a temática proposta, narramos à hipótese muito corriqueira na seara das execuções, de uma empresa devedora que se utiliza de outras empresas, frisa-se, do mesmo conglomerado econômico, para frustrar pagamentos aos seus credores, mediante operações atípicas, lançadas na mesma contabilidade, para, dolosamente, manter-se em operação, com saldo zerado, imune a atos expropriatórios, inerentes à execução.


Neste contexto, como premissa do pedido de desconsideração da personalidade jurídica da devedora o credor deve trazer provas convincentes à ocorrência da confusão patrimonial.


A jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça não diverge:


“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. PROCESSO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECONHECIMENTO DE GRUPO ECONÔMICO. REVISÃO DOS FATOS AUTORIZADORES. SÚMULA N° 7/STJ. 1. Reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento de sentença, sem ofensa à coisa julgada. Rever a conclusão no caso dos autos é inviável por incidir a Súmula n° 7/STJ. 2. Agravo regimental não provido” (E. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 441.465 – PR (2013/0384471-3). Relator: Ministro Ricardo Villas Boas Cueva. Julgado em 18 de junho de 2015.

Deve mostrar de forma satisfatória a presença de indícios de pulverização patrimonial pelo devedor para dificultar o adimplemento do débito, a possibilitar a abertura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.


Importante observar que o simples reconhecimento de grupo econômico [6], não é bastante ao deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, por exegese do § 4º, inserido no artigo 50, do Código Civil.


É imperiosa a comprovação da confusão patrimonial nos autos, para o êxito do pedido de desconsideração, e assim, possibilitar a penhora de bens da empresa do mesmo grupo econômico.


Há certa vaguidade quanto ao conceito de confusão patrimonial, porquanto deve se adequar a uma situação concreta. Pressupõe a mistura de patrimônios.


Contudo, em linhas gerais, pode ser compreendida como um estado de promiscuidade verificado entre os patrimônios de duas pessoas, consequência da apropriação, por parte dos sócios, administradores, terceiros ou outras sociedades componentes de um grupo econômico, dos meios de produção de uma determinada sociedade.


Também, ocorre, quando a sociedade se vale do patrimônio de um terceiro.


Em pesquisa perante a jurisprudência, já se constatou a confusão patrimonial, no grupo de sociedades, por meio dos seguintes indícios:


Pessoas jurídicas com sede no mesmo endereço TJRS, 6ª Câmara Cível, AI 70027062900, Relatora Desa. Liége Puricelli Pires, j. 19/03/2009 TJRS; 17ª Câmara Civil, AI 70028008498, Relator Des. Luiz Renato Alves da Silva, j. 23/12/2008 TJRS, 5ª Câmara Civil, AI 70013241930, Relator Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. 26/05/2006 TJRS, 6ª Câmara Civil, MS 70009860396, Relator Des. Artur Arnildo Ludwig, j. 15/12/2004 TJRS, 4ª Câmara Cível, APC 588015719, Rel. Des. Vanir Perin, j. 11/05/1988 Sedes próximas TJRS, 6ª Câmara Civil, AI 70010089951, Relator Des. Artur Arnildo Ludwig, j. 16/02/2005 Estabelecimentos compartilhados TJRS, 6ª Câmara Cível, APC 70049845910, Rel. Des. Ney Wiedemann Neto, j. 28/08/2014 • Estabelecimentos contíguos ou interligados • TJRS, 6ª Câmara Civil, AI 70010089951, Relator Des. Artur Arnildo Ludwig, j. 16/02/2005 Coincidência de sócios TJRS, 17ª Câmara Civil, AI 70028008498, Relator Des. Luiz Renato Alves da Silva, j. 23/12/2008 TJRS, 5ª Câmara Civil, AI 70013241930, Relator Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. 26/05/2006 TJRS, 4ª Câmara Cível, APC 588015719, Rel. Des. Vanir Perin, j. 11/05/1988 Sócios com vínculos familiares TJRS, 16ª Câmara Civil, AI 70027929462, Relator Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. 30/04/2009 TJRS, 20ª Câmara Cível, APC 70024047037, Relator Des. José Aquino Flores de Camargo, j. 15/10/2008 TJRS, 20ª Câmara Civil, APC 70021920178, Relator Des. Rubem Duarte, j. 04/06/2008 TJRS, 17ª Câmara Civil, AI 70018151886, Relator Desa. Elaine Harzheim Macedo, j. 08/03/2007 TJRS, 6ª Câmara Civil, AI 70010089951, Relator Des. Artur Arnildo Ludwig, j. 16/02/2005 Coincidência de representantes legais com poderes de gestão TJRS, 6ª Câmara Civil, AI 70008822314, Relator Des. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, j. 25/08/2004 Coincidência de administradores TJRS, 4ª Câmara Cível, APC 588015719, Rel. Des. Vanir Perin, j. 11/05/1988 Utilização promíscua de bens (máquinas, ferramentas, veículos, estoque, número de telefone, etc.) TJRS, 6ª Câmara Cível, APC 70049845910, Rel. Des. Ney Wiedemann Neto, j. 28/08/2014 TJRS, 6ª Câmara Cível, AI 70027062900, Relatora Desa. Liége Puricelli Pires, j. 19/03/2009 TJRS, 20ª Câmara Civil, APC 70021920178, Relator Des. Rubem Duarte, j. 04/06/2008 Utilização promíscua de empregados TJRS, 6ª Câmara Cível, APC 70049845910, Rel. Des. Ney Wiedemann Neto, j. 28/08/2014 TJRS, 5ª Câmara Civil, AI 70013241930, Relator Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. 26/05/2006 TJRS, 6ª Câmara Civil, MS 70009860396, Relator Des. Artur Arnildo Ludwig, j. 15/12/2004 Lançamentos contábeis misturados / inexistência de contabilidade TJRS, 5ª Câmara Cível, APC 70069714988, Rel. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, j. 29/03/2017 TJRS, 5ª Câmara Cível, ED 70059216812, Rela. Desa. Isabel Dias Almeida, j. 11/11/2015

A título de ilustração, o credor pode demonstrar mediante a quebra de sigilo bancário e uma minuciosa pesquisa do acervo societário e processual que a devedora utiliza-se de outras empresas para frustrar pagamentos; são compostas pelos mesmos sócios e atuam no mesmo ramo comercial, configurando verdadeiro grupo econômico; que as contas bancárias da devedora são mantidas zeradas e não há ativo patrimonial apto a quitar os débitos.


Explica-se: a utilização de outras sociedades, do mesmo grupo econômico, com o propósito de operar o esvaziamento do patrimônio da sociedade executada, deixa evidente o objetivo de malograr o pagamento das dívidas contraídas.


Assim sendo, a confusão patrimonial está configurada, assim como o abuso, que autorizam o deferimento do processamento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.


O instituto da desconsideração da personalidade jurídica e o pedido liminar para a consulta ao Sisbajud nas contas da empresa maior


O Código Civil de 2002 consagrou a teoria maior [7] da desconsideração da personalidade jurídica na sua vertente subjetiva, quanto objetiva.


Para tanto, basta que se constate uma disfunção da empresa, ou seja, um abuso da personalidade social que pode se dar de duas formas: i) pelo desvio de finalidade; ii) pela confusão patrimonial.


Diz o artigo 50 do Código Civil:


“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”

Em termos práticos, cumpre observar a excepcionalidade da medida; somente após ter exaurido as pesquisas de bens em nome da executada para a garantia da execução e comprovada a confusão patrimonial, permite-se o processamento do pedido.


Para fins didáticos, deve o credor fazer o lançamento judicial da confusão patrimonial e comprovar o potencial prejuízo à garantia da execução, ali decorrente, qual seja:


• Demonstração dos indícios; • Demonstração do esgotamento patrimonial; • Presunção de que o esgotamento se deu em função de desvio ou subutilização; • Presunção de que a confusão patrimonial foi grave o suficiente para causar a ruína financeira da sociedade

Do mesmo modo, deve inexistir notícia de que a executada tenha ofertado o pagamento do débito, nem indicado quaisquer bens à garantia do juízo.

Por outro lado, cabe ao demandado afastar a sua presunção do seguinte modo:


• Ônus de provar que o esgotamento se deu em função de perdas normais; • Abertura da contabilidade

Segue abaixo, o seguinte julgado, ilustrando esta casuística:


“Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Ação de cobrança. Cumprimento de sentença. Pretensão de inclusão, no polo passivo, das empresas que fazem parte do mesmo grupo econômico que a devedora e de seus sócios comuns. Medida excepcional que cabe ser deferida, no caso específico dos autos. Verificados os requisitos ensejadores da desconsideração da personalidade jurídica, previstos no artigo 50, do Código Civil. Evidência de que a executada age dolosamente, com o intuito de obstar o cumprimento da obrigação. Reconhecimento de grupo econômico, atuando, conjuntamente, as empresas apontadas pela credora. Decisão reformada. Recurso provido” (AI n. 2151840-62.2019.8.26.0000. Rel. Des. Cauduro Padin. E. 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Julgado em 26 de agosto de 2019)

Para fins de garantir uma maior efetividade do processo o credor pode requerer como pedido liminar à consulta via sistema Sisbajud dos:

• extratos de contas correntes, poupanças, contas de investimentos e outros ativos financeiros, possibilitando a análise das transações em determinado período de tempo, expondo créditos, débitos, origem e destino das aplicações e uma série de dados que podem ser úteis à identificação de atos praticados com a finalidade de ocultação de ativos, para o êxito da investida.

Deste modo, o credor poderá obter provas, da contabilidade ilícita mantida entre essas empresas coligadas como, por exemplo, a realização de depósitos em conta da empresa executada, no valor exato para quitar débitos corriqueiros (impostos, cartão de crédito, dentre outros) para fins de blindagem patrimonial, de modo a propiciar o seu funcionamento, com as contas bancárias zeradas, frustrando-se, em contrapartida, os meios expropriatórios a ela impelidos pelos credores.


Evidente, neste ponto, o intuito de impossibilitar a constrição de valores devidos a terceiros, na medida em que as contas estão ativas, mas são mantidas estrategicamente “zeradas”.


Conclusão


Em resposta a indagação, ora alçada como título do presente trabalho, opinamos pela resposta positiva, desde que observado os critérios aqui defendidos, qual seja, a comprovação da presença de indícios de pulverização patrimonial pelo devedor para dificultar o adimplemento do débito, em manifesta confusão patrimonial.


Na casuística explorada é possível a penhora de bens de empresas do mesmo grupo econômicos, desde que atendidos o binômio: confusão patrimonial mais esgotamento patrimonial, conforme visto acima.


O Juiz está autorizado a reconhecer a confusão patrimonial (e aplicar a teoria da desconsideração) em função da presunção de confusão, aplicando-se a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva, inseridas no artigo 50 do Código Civil.


O artigo 50 do Código Civil e a sua regulamentação trazida pelo CPC/2015 consagra a regra ao tratamento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, revelando-se uma evolução, pondo em destaque a excepcionalidade da medida.


A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto que permite suspender de forma temporária à faculdade da separação patrimonial conferida as sociedades, por uso abusivo e com fins ilícitos, nos termos do citado dispositivo.


A criação teórica da pessoa jurídica foi avanço que permitiu o desenvolvimento da atividade econômica, ensejando a limitação dos riscos do empreendedor ao patrimônio destacado para tal fim.


Abusos no uso da personalidade jurídica justificaram, em lenta evolução jurisprudencial, posteriormente incorporada ao direito positivo brasileiro, a tipificação de hipóteses em que se autoriza o levantamento do véu da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de sócios e sociedades do mesmo conglomerado econômico, que dela dolosamente se prevaleceram, frisa-se, para finalidades ilícitas.


Especificamente, a confusão patrimonial, é um estado fático com relevância para o direito, na medida em que lhe empresta importante significação, especialmente quando se trata de tutelar o credor, além de preservar a ordem econômica.


Os efeitos desta situação são funestos, para credores, funcionários, a economia e a credibilidade do próprio ordenamento jurídico:


• Desvio: subutilização ou não utilização dos ativos em atividade produtiva, causando prejuízo à função de produção e aos credores; • Desprestígio das normas societárias, distorção das da função de garantia do patrimônio e aumento dos custos de transação.

Há uma repressão a este comportamento, nos dizeres de Calixto Salomão Filho de “free-rider”.


Assim sendo, leciona o ilustre Mestre [8]:


“Como free-rider define-se o agente que quer gozar das vantagens mas não dos custos da responsabilidade limitada, ou seja, aquele agente que usa a responsabilidade limitada não passivamente, como meio de salvação no caso extremo de falência, mas ativamente, como elemento estratégico para a externalização de riscos em maneira diversa daquela prevista no ordenamento. O ordenamento deve intervir, consequentemente, para eliminar esses abusos e repristinar a distribuição de riscos desejada”

A responsabilidade limitada é, portanto, uma distribuição de riscos, como forma de proteger o empresário, em caso de insucesso nos negócios; uma porta de saída do mercado, sem custos insuportáveis (ruína pessoal).


Todavia, essa benesse legal, não pode ser desvirtuada, para fins ilícitos, como fraude e ocultação de patrimônios, como forma de lesar credores.


Assim sendo, a desconsideração, não será mais do que uma repristinação da distribuição de riscos pretendida pelas partes, em manifesta aplicação da cláusula rebus sic stantibus com relação à solvabilidade da empresa devedora do grupo econômico.


Portanto, a empresa não pode ser instrumento de fraudes e ocultação de patrimônio. Em termos econômicos, deve ser analisada como uma unidade econômica de negócios, geradora e distribuidora de caixa.


A riqueza constrói-se, como bem dissertado pela escritora Ayn Rand [9] mediante o ato de “fazer dinheiro” criado com trabalho ético, como essência da moralidade humana, em contraposição ao ato de “ganhar dinheiro” encarado aqui como uma quantidade estática a ser tomada, pedida, herdada, repartida, saqueada ou obtida como favor.


As empresas brasileiras devem ainda, cumprir com a função social outorgada a elas pela Carta Magna (artigo 170), abastecendo o mercado com produtos e serviços, defrontando com as necessidades e as expectativas de fornecedores e clientes, em um ambiente que prestigia a concorrência, livre iniciativa, eticidade e pontualidade dos seus negócios.


Cumpre, pois, a sua função social, quando imersa em uma externalidade positiva, gerando riquezas, tributos, empregos, com práticas empresariais idôneas, contribuindo para o desenvolvimento econômico do local onde se situa, respeitando os direitos de consumidores, fornecedores e credores, na consecução de suas atividades e obrigações.


Em face da importância da sua função social, o ordenamento jurídico consagra o princípio da preservação da empresa, protegendo-se a sua atividade econômica, como objeto de direito, tendo em vista seu alcance como fonte geradora de empregos, produtos, serviços, tributos e diversos benefícios sociais.

Nesta linha de pensamento veja-se que na desconsideração da personalidade jurídica não se atinge o ato constitutivo, mas tão somente a eficácia da separação patrimonial.


Deste modo, o instituto resguarda a atividade econômica da empresa, inibindo o abuso da personalidade jurídica, para readequá-la a sua função social, como uma forma de atendimento próprio, bem como dos interesses coletivos, dentre eles, os credores prejudicados.


Referências bibliográficas e notas


[1] [2] CAMPINHO, Sérgio. O Direito de empresa à luz do novo código civil. 4ª. edição. 2004. Ed. Renovar. Pg. 14, 67, 68 e 69.

[3] MARTINS, Fran, Curso de Direito Comercial, Ed Forense, 10ª edição. Pg. 60.

[4] [5] COMPARATO, Fábio Konder. Correspondência dirigida ao Senador Josaphat Marinho em 3.9.1997, in O Projeto de Código Civil no Senado, Brasília, Senado Federal, 1998, tomo II.

[6] A utilização do vocábulo carece de uniformidade técnica. Para os fins propostos, no sentido de abordar o tema, frisa-se, de forma prática, colacionamos o conceito trazido pelo ilustre Procurador da Fazenda João Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz, qual seja, “o conjunto de sociedades empresariais ou empresários que, sob controle político de um indivíduo ou grupo, atuem em sincronia para lograr maior eficiência em suas atividades” MUNIZ, João Guilherme de Moura Rocha Parente. Sobre o conceito de grupo econômico no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3688, 6 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25114. Acesso em: 26 ago. 2019.

[7] De acordo com a Doutrina são duas as vertentes da teoria da desconsideração, uma maior e outra menor. A teoria maior é aquela em que se exige um plus, um requisito específico, de ordem objetiva (confusão patrimonial, disfunção da empresa por meio de circunstâncias desatreladas da vontade) ou subjetiva (demonstração da fraude e do animus de prejudicar terceiro ou a lei). Por sua vez, a teoria menor, não se exige qualquer requisito subjetivo ou objetivo, bastando à mera demonstração da causalidade, abrangendo toda e qualquer situação em que há comprometimento do patrimônio dos sócios por obrigações da empresa, e o prejuízo ao credor, para que se possa afastar a personalidade da pessoa jurídica. O ordenamento pátrio consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva no art. 50 do CC/2002 e a teoria menor no art. 28, § 5º, do CDC. Neste sentido: ROSENVALD, Nelson e DE FARIAS, Cristiano Chaves, in: Direito Civil – Teoria Geral, 8ª Edição, 2ª Tiragem. Editora Lumen Juris. 2010. [8] SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo Direito Societário. Malheiros editores. 2ª edição. Pág. 209.

[9] RAND, Ayn. A Revolta de Atlas (Atlas Shrugged). Editora Sextante. 2º volume.

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