"Não quero um advogado para me dizer o que eu não posso fazer. Eu o contrato para dizer como fazer o que eu quero fazer" (J.P. Morgan)
O processo não é uma finalidade em si, e não deve ser exaltado pela sofisticação e riqueza de procedimentos, se não serve para o seu principal propósito, qual seja, de resultado, como forma de garantir um direito estável, certo, previsível, aderente à realidade e mediante a participação democrática dos tutelados.
Introdução
Na teoria, o instituto em estudo apresenta-se como uma inovação, despertando a atenção da doutrina pela sofisticação e riquezas de possibilidades, de ver um processo mais adequado às especificidades da causa e mais célere.
A intenção do legislador foi prestigiar o principio do autorregramento da vontade no processo enquanto desdobramento do princípio da liberdade e autonomia da vontade e também do princípio da cooperação, estabelecido no artigo 6º do CPC, como normas fundamentais do processo.
Contudo, não podemos esquecer o fato deste novo instituto ser um fenômeno apenas endoprocessual.
Assim sendo, como veremos no decorrer do trabalho a sua aplicação prática mostra-se bastante reduzida em razão dos limites procedimentais e de matérias processuais incidentes sobre os pactos desta natureza.
Não obstante, a grande contribuição do instituto é de servir como uma provocação, para a necessidade de se compreender o processo, como um sistema que pretenda satisfazer os direitos das pessoas, de acordo com suas especificidades, mais aderente à realidade e de forma ágil, em vez de tutelá-los de forma inquisitorial e autoritário.
O método adotado será o dedutivo, com a exposição de casos práticos.
Fundamentos principiológicos
Principio da autonomia da vontade
É um dos pilares do direito privado. Em uma breve síntese, pode ser definido como a relação contratual oriunda da vontade das partes, e não da Lei, como fonte de legitimação jurídica.
Neste contexto leciona o professor Sílvio Rodrigues [1]:
“O princípio da força vinculante das convenções consagra a ideia de que o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, se torna obrigatório entre as partes, que deles não podem se desligar, senão por outra avença, em tal sentido. Isto é, o contrato vai constituir uma espécie de lei privada entre as partes, adquirindo força vinculante igual a do crédito legislativo, pois vem munido de uma sanção que decorre da norma legal, representada pela possibilidade de execução patrimonial do devedor. Pacta Sunt Servanda!”
Dissertando sobre os efeitos da manifestação de vontade, Orlando Gomes [2] é categórico:
“O principal efeito do contrato é criar um vínculo jurídico entre as partes. Fonte de obrigações é tamanha a força vinculante do contrato que se traduz, enfaticamente, dizendo-se que tem força de lei entre as partes. O contrato deve ser executado tal como se suas cláusulas fossem disposições legais para os que o estipularam. Quem assume obrigação contratual tem de honrar a palavra empenhada e se conduzir pelo modo a que se comprometeu”
Deste modo, o contrato passou a ter existência jurídica, tornando-se definitivo quanto ao seu conteúdo. Neste ponto, vejamos o posicionamento da jurisprudência:
“CONTRATO – Cláusulas contratuais – Pedido Judicial para modificação de seu conteúdo – Inadmissibilidade – Justificação da intervenção judicial para decretação da nulidade ou resolução da avença. O PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DO CONTEÚDO DOS CONTRATOS SIGNIFICA IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO JUIZ, OU DE LIBERAÇÃO POR ATO SEU. As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das partes. O autor, ao solicitar o empréstimo junto à instituição bancária-ré concordou com todas as cláusulas contratuais e, inobstante tratar-se de contrato de adesão, não há como negar validade ao mesmo. Não se vislumbra, por parte do banco, tenha agido com dolo, no sentido premeditado de iludir o mutuário e o induzir a assinar o contrato, em condições visivelmente desfavoráveis a ele. O critério adotado não tem nada de ilegal, nem é leonino” (Ap. 591.696-7 – 2ª C. – j. 04.01.95 – Rel. Juiz Alberto Tedesco – 1º TACivSP – RT 714/163).
O contrato firmado entre as partes consubstancia-se em um ato jurídico perfeito, devendo o mesmo ser rigorosamente cumprido, face à força vinculante dos contratos.
Uma vez delineado validamente o conteúdo, definidos os direitos e deveres dos pactuantes, assume o contrato uma carga imperativa, vinculando as partes às cláusulas que ajustaram (pacta sunt servanda).
Princípio da cooperação processual
Trata-se de cooperação em sentido formal, de modo a garantir de forma concreta a efetividade do processo.
Para os fins propostos no presente artigo iremos analisar o princípio sob o enfoque dos litigantes.
Reza o artigo 6º do CPC:
“Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”
É dever das partes pautar suas atuações em juízo com probidade e boa-fé a serviço da celeridade processual, viabilizando a devida apreciação do mérito da causa.
Neste sentido a doutrina não diverge:
“A doutrina brasileira importou do direito europeu o princípio da cooperação (ou da colaboração), segundo o qual o processo seria o produto da atividade cooperativa triangular (entre juiz e as partes). A moderna concepção processual exige um juiz ativo no centro da controvérsia e a participação ativa das partes, por meio da efetivação do caráter isonômico entre os sujeitos do processo.
O dever de cooperação estaria voltado eminentemente para o magistrado, de modo a orientar sua atuação como agente colaborador do processo, inclusive como participante ativo do contraditório, não se limitando a mero fiscal de regras.
Entretanto, não somente o juiz deve colaborar para a tutela efetiva, célere e adequada. Todos aqueles que atuam no processo (juiz, partes, oficial de justiça, advogados, Ministério Público etc.) têm o dever de colaborar para que a prestação jurisdicional seja concretizada da forma que prescreve a Carta de 1988. Nesse sentido, o art. 6º do CPC/2015 estabelece que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
(…) O dever de cooperação, entretanto, encontra limites na natureza da atuação de cada uma das partes. O juiz atua com a marca da equidistância e da imparcialidade, a qual não pode ser comprometida por qualquer promiscuidade com as partes. Por outro lado, o dever do advogado é a defesa do seu constituinte. A rigor, não tem ele compromisso com a realização da justiça. Ele deverá empregar toda a técnica para que as postulações do seu cliente sejam aceitas pelo julgador. Essa é a baliza que deve conduzir o seu agir cooperativo. Em sendo assim, meu caro leitor, retire da cabeça aquela imagem – falsamente assimilada por alguns com o advento do novo CPC – de juiz, autor e réu andando de mãos dadas pelas ruas e advogado solicitando orientação ao juiz para redigir as peças processuais. Não obstante a apregoada cooperação, no fundo, será cada um por si, o que não impede que a lealdade e a boa-fé imperem nas relações processuais” [3]
“(…) O novo CPC brasileiro esposa ostensivamente o modelo cooperativo, no qual a lógica dedutiva de resolução de conflitos é substituída pela lógica argumentativa, fazendo que o contraditório, como direito de informação/reação, ceda espaço a um direito de influência. Nele, a ideia de democracia representativa é complementada pela de democracia deliberativa no campo do processo, reforçando, assim, “o papel das partes na formação da decisão judicial” [4]
“(…) Melhor seria que o legislador determinasse a cooperação das partes para que se pudesse obter em tempo razoável um provimento jurisdicional justo e efetivo, já que, ao referir-se a decisões de mérito, ele se esqueceu das execuções, nas quais não há esse tipo de decisão. Apesar da omissão, parece-nos que, como o princípio da cooperação está entre as normas fundamentais do processo, na Parte Geral do CPC, ele se aplica tanto aos processos de conhecimento como aos de execução” [5]
Portanto, de forma a prestigiar, bem como preservar a confiança nos negócios o legislador também consagra o princípio da boa-fé objetiva e da cooperação, nos artigos 5º e 6º do Código de Processo Civil vigente, ecoando, desta forma, para todo o ordenamento jurídico.
Assim sendo, compreende-se que o processo fluirá melhor existindo uma confiança na perspectiva de retidão, em sentido diametralmente oposto, a ausência de boa-fé objetiva, resulta em desconfiança, burocracia, má vontade, sendo um obste ao prosseguimento regular do feito.
Princípio do Respeito ao autorregramento da vontade no processo
Pode ser compreendido como uma liberdade concedida às partes na condução do processo de acordo com seus interesses, dentro de limites prefixados, tornando jurídicos os atos humanos.
Apesar de não haver uma previsão expressa do referido princípio no vigente código de processo civil, os seus dispositivos consagram a sua existência, formando um sistema lógico e coerente.
Fredie Didier Junior [6] elenca os seguintes exemplos:
“I) O CPC é estruturado de modo a estimular a solução do conflito por autocomposição: a) dedica um capítulo inteiro para regular a mediação e a conciliação (arts. 165-175); b) estrutura o procedimento de modo a pôr a tentativa de autocomposição como ato anterior ao oferecimento da defesa pelo réu (arts. 334 e 695); c) permite a homologação judicial de acordo extrajudicial de qualquer natureza (art. 515, III; art. 725, VIII); d) permite que, no acordo judicial, seja incluída matéria estranha ao objeto litigioso do processo (art. 515, §2º); e) permite acordos processuais (sobre o processo, não sobre o objeto do litígio) atípicos (art. 190). II) É a vontade da parte que delimita o objeto litigioso do processo (arts. 141 e 490, CPC) e do recurso (arts. 1.002 1.013, CPC). Não por outra razão, o §2º do art. 322 do CPC determina que a postulação deva ser interpretada de acordo com a boa-fé, exatamente como se deve fazer em relação aos atos jurídicos de um modo geral (art. 113, Código Civil). Como se sabe, ato jurídico é ato voluntário. III) O CPC prevê um número bem significativo de negócios processuais típicos, tais como: a eleição negocial do foro (art. 63); o negócio tácito de que a causa tramite em juízo relativamente incompetente (art. 65); escolha consensual de mediador, conciliador ou câmara privada de mediação ou conciliação (art. 168); o calendário processual (art. 191, CPC); a renúncia ao prazo (art. 225); o acordo para a suspensão do processo (art. 313, II); a renúncia tácita à convenção de arbitragem (art. 337, §6º); o adiamento negociado da audiência (art. 362, I, CPC); o saneamento consensual (art. 357, §2º); a convenção sobre ônus da prova (art. 373, §§3º e 4º); a escolha consensual do perito (art. 471); desistência da execução ou de medida executiva (art. 775); a desistência do recurso (art. 998); a renúncia ao recurso (art. 999); a aceitação da decisão (art. 1.000) etc. IV) O CPC prevê uma cláusula geral de negociação processual14, que permite a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos, uma vez preenchidos os pressupostos do caput do art. 190. V) A consagração do princípio da cooperação (art. 6º, CPC) é, também, uma demonstração clara de valorização da vontade no processo. Não por acaso a doutrina costuma relacioná-lo ao fenômeno da “contratualização” do processo. O princípio da cooperação também merece um ensaio avulso. VI) A arbitragem, no direito brasileiro, é bastante prestigiada (Lei nº 9.307/1996). O processo arbitral é, fundamentalmente, um processo negociado. As partes podem definir a organização do processo, bem como a sua estrutura. Além de, obviamente, escolher o órgão jurisdicional que decidirá o conflito”
A preocupação do legislador é clara, no sentido de garantir a liberdade como direito fundamental (artigo 5º da constituição federal) nas contendas processuais, de modo a torná-las mais democráticas e ao mesmo tempo, garantir a efetividade do processo.
Negócio jurídico
Conceito, objeto e momento da celebração
O instituto encontra-se regulamentado no artigo 190 do CPC, que assim dispõe:
“Art. 190 – Versando o processo sobre direito que admita autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único – De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”
O dispositivo permite as partes, obviamente capazes (artigos 1º, 3º e 4º, 166, I e 171, I do código civil) e com capacidade de estar em juízo (artigo 70 do CPC) transacionarem sobre questões relativas ao processo e seu procedimento, dando origem aos negócios jurídicos processuais.
Trata-se de norma aberta onde se exige a construção e interpretação pelo interprete, porquanto impossível de prever, de antemão, todas as suas hipóteses.
Com relação à natureza dos processos, possíveis de serem objetos desta espécie de transação a lei fala sobre “processo sobre direito que admita autocomposição”
É possível extrair do referido dispositivo a referência as demandas que versam sobre direitos disponíveis.
Observa-se que o conceito de direito disponível não é uníssono na doutrina, em especial quando uma das partes é a administração pública.
Deste modo, o impasse pode ser resolvido mediante analogia ao artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei Federal nº 9.307/1996) ao caso sub judice, tendo como premissas a atividade privada e direitos de natureza patrimonial.
Neste sentido:
“É certo, entretanto, que o próprio conceito de direitos disponíveis não encontra definição muito tranquila na doutrina, especialmente quando se trata de direitos da Administração Pública. Por sorte esse não é um tema novo, pois o art. 1º da Lei de Arbitragem (Lei Federal nº 9.307/1996) já tratou do assunto ao permitir que as partes capazes celebrem acordos para submeter a solução de seus litígios que versarem sobre direitos patrimoniais disponíveis a um Tribunal Arbitral. Havendo analogia entre as hipóteses, parece plenamente possível transportar para a interpretação da primeira parte do dispositivo as soluções já apresentadas pela doutrina e pela jurisprudência acerca do alcance do art. 1º da Lei nº 9.307/1996. Sendo assim, deve-se admitir, por exemplo, a realização de negócios jurídicos processuais envolvendo particulares e a Administração Pública nos casos em que o ente público se insere em campo de atividade privada, bem como em relações particulares que tenham por objeto direitos de natureza patrimonial. É importante ressaltar, apenas, que essa analogia não se estende para a interpretação do restante do dispositivo, conforme ficará claro adiante, porque a figura do juiz e dos órgãos jurisdicionais não é equiparável à do árbitro em muitos aspectos, donde resulta uma limitação do poder das partes para transacionar sobre matéria processual numa demanda que tramitará perante o juízo estatal” [7]
Todavia, não obstante a indisponibilidade do direito material discutido no caso concreto não há óbices quanto à convenção sobre matérias de direito processual (escolha de perito, redistribuição do ônus da prova, suspensão do processo, alteração da data da audiência e etc.) [8].
Quanto ao momento de sua transação, pode ser celebrada em momento anterior ao processo, como durante o seu curso.
Com efeito, no primeiro caso, a avença se aproxima da arbitragem, podendo ser pactuada por meio de cláusula contratual ou de instrumento em separado, acessório de um contrato principal.
De outro lado, na hipótese de firmada durante o curso do processo, o negócio jurídico processual pode ser celebrado por meio de protocolo de acordo extrajudicial, ou ainda, de forma oral, na audiência inicial ou de instrução e julgamento.
A doutrina classifica em típicos e atípicos
Na primeira, a convenção das partes é dispensável porquanto a Lei regula e fixa o regime de determinados negócios, de forma prévia.
O vigente código manteve vários dispositivos do código anterior sobre os negócios jurídicos típicos, como exemplifica Fredie Didier Junior [9]:
a) cláusula de eleição de foro (art. 63); b) negócio tácito de que a causa tramite em juízo relativamente incompetente (art. 65); c) convenção de suspensão do processo (art. 313, II); d) negócio sobre adiamento da audiência (art. 362, I); e) a desistência da ação (art. 485, par. 4º); f) a retirada dos autos de documento objeto de arguição de falsidade (art. 432, par. único); g) redução de prazos peremptórios (art. 222, par. 1º); h) renúncia ao prazo (art. 225); i) calendário processual (art. 191); j) audiência de saneamento e organização em cooperação com as partes (art. 357, par. 3º); k) acordo de saneamento ou saneamento consensual (art. 364, par. 2º); l) cláusula de inversão do ônus da prova (art. 373, § 3.º) m) escolha consensual do perito (art. 471); n) escolha do arbitramento como técnica de liquidação (art. 509, I); o) desistência do recurso (art. 999), entre outros”
Já os denominados negócios processuais atípicos têm como fundamento além da norma aberta do artigo 190, a do artigo 200, do CPC na qual dispõe que “os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais”.
Conforme falamos acima, o artigo 190 é uma norma aberta, uma cláusula geral e conforme leciona o Professor Didier Junior [10]:
“em decorrência dessa cláusula geral podem advir diversas espécies de negócios processuais atípicos. Muito embora tenha o legislador usado o verbo “convencionar” no caput e no parágrafo único, a cláusula geral permite negócios processuais, gênero de que as convenções são espécies”
Ao contrário da primeira hipótese, essa última permite as partes estipularem mudanças no procedimento para ajustá-lo as especificidades da causa.
Requisitos de validade
Não obstante essa maior autonomia da vontade das partes na esfera processual, isso não impede o necessário controle judicial sobre a regularidade destas convenções.
Neste contexto, é imperioso o exame dos requisitos da existência, validade e eficácia, inerentes aos negócios jurídicos em geral, ora regulamentos no artigo 104 e 166 do código civil.
O plano da existência, validade e eficácia consiste na existência de um suporte fática capaz de produzir efeito jurídico, compreendendo, a capacidade civil das partes, manifestação da vontade, licitude do objeto e do motivo determinante, a forma prescrita em lei, as solenidades da lei.
Aplicam-se, neste diapasão as normas relativas aos defeitos dos negócios jurídicos em geral (artigo 138 e seguintes do código civil).
Os vícios de consentimento também são considerados pelo juiz para efeitos de negar efeitos ao negócio processual ao processo em curso, desde que provocada pela parte interessada (artigo 172 e 177 do código civil).
O mesmo se aplica a fraude contra credores (artigos 158, 171 e 177 do código civil) e na simulação, vício social (artigos 166, 67 e 168 do código civil).
Por derradeiro, como requisitos negativos, é defesa a celebração dessas avenças com o intuito de fraudar norma imperativa/cogente ou envolver renúncia a direitos fundamentais, assim entendidos os elencados pela constituição federal e no código do consumidor.
A convenção terá efeito imediato, se o juiz considera-las válidas, salvo se houver condição, termo ou encargo pactuado pelas partes.
A supressão de qualquer destes elementos pode ser objeto de invalidação pelo Judiciário.
Conclusão
Na teoria, o instituto em estudo apresenta-se como uma inovação, despertando a atenção da doutrina pela sofisticação e riquezas de possibilidades, de ver um processo mais adequado às especificidades da causa e mais célere.
Porém, não podemos esquecer o fato deste novo instituto ser um fenômeno apenas endoprocessual.
Assim sendo, a sua aplicação prática mostra-se bastante reduzida em razão dos limites procedimentais e de matérias processuais incidentes sobre os pactos desta natureza.
Um exemplo são os contratos de adesão na esfera consumerista.
Dificilmente, isso ocorrerá, porquanto os fornecedores jamais optaram por assumir riscos em seus negócios, frisa-se, de forma deliberada, inserindo cláusulas sobre matéria processual em contratos desta natureza.
Como é cediço, as cláusulas que restrinjam o direito de defesa dos consumidores serão consideradas nulas, a teor do parágrafo único do artigo 190 do CPC, ou pelo disposto no art. 51, incisos IV e XV, do Código Consumerista.
Em outra vertente, nos contratos celebrados fora da esfera consumerista é bastante difícil pressupor que as partes tenham grande interesse em ajustar previamente acordos de natureza processual ou procedimental, pelo fato de não saberem de antemão, em qual posição estarão em uma futura demanda.
Os casos bens sucedidos do novel instituto podem ser vistos nos processos coletivos contra a fazenda pública, como meio de garantir a efetividade do processo, menores custos além de desafogar o judiciário, evitando-se o ingresso de novos cumprimentos de sentença.
O especialista João Carlos Adalberto Zolandeck [11] colaciona um exemplo interessante, ocorrido nos Processos sob n. 0002464-08.2016.8.16.0004 e 0003601-25.2016.8.16.0004, da 2ª. Vara da Fazenda Pública de Curitiba, sob a gestão processual das Partes e do Juiz Tiago Gagliano Pinto Alberto:
“Como exemplo prático de aplicação de um negócio jurídico processual bem sucedido, como contribuição para a efetividade do processo e redução dos custos de transação, destacam-se dois acordos realizados na 2.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba. O primeiro deles ocorreu nos autos sob n.º 0002464-08.2016.8.16.0004, onde figurou, como exequente, o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Paraná, exercendo a representação de 3.400 substituídos e, como executado, o Estado do Paraná, onde, sob a gestão processual das partes e do juiz Tiago Gagliano Pinto Alberto, formalizou-se um negócio processual, cujo resultado pautou a adoção do procedimento invertido para a continuidade do cumprimento da sentença. No caso em referência as partes criaram um procedimento próprio para a satisfação do direito material, estabelecendo o seguinte: “o cálculo será apresentado pelo Executado em arquivo eletrônico, no prazo de 90 (noventa) dias corridos, contados a partir da ciência da apresentação dos cálculos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e da Paraná Previdência. Para conferência, o Exequente terá o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias corridos. Ratificado o valor executado, a expedição do Precatório/RPV/pagamento em folha (dependendo do caso) ocorrerá nos 15 (quinze) dias subsequentes, dispensada nova correção”. Além disso, houve regulação do procedimento que seria adotado para o caso de divergência nos cálculos entre outros detalhes e situações peculiares. O caso analisado pode estar entre os mais bem sucedidos negócios processuais já vivenciados, isto porque se evitaram 3.400 pedidos de cumprimento de sentença, e provavelmente, 3.400 impugnações aos pedidos fracionados e 3.400 sentenças resolutivas. Fica registrado o reconhecimento aos advogados, procuradores e juiz do caso relatado, ao terem-se utilizado na potência máxima das soluções processuais baseadas no princípio da cooperação e no acordo de vontades em uma lide em que se admitia a autocomposição, mesmo tendo, de um lado, a Fazenda Pública, que pode ser sujeito, participando de um dos polos da convenção. Em outro caso e perante o mesmo juízo, nos autos sob n.º 0003601-25.2016.8.16.0004, houve a adoção de procedimento invertido, configurando-se, igualmente, um negócio processual, adotando-se um procedimento próprio e específico para a solução daquele caso. Pode-se concluir com os cases aqui narrados, absolutamente alinhados com a análise econômica do direito, no caso, análise econômica do processo, do procedimento e do direito material envolvido, pois a AED cabe em todo e qualquer cenário, consequentemente, externalidades positivas foram criadas e houve uma profunda ponderação e redução dos custos de transação, verdadeiros exemplos empíricos da aplicação pura dos princípios da cooperação e da eficiência no equacionamento da lide, impactando, como dito, positivamente na equalização positiva de custos sociais”
Somente a experiência revelará a dimensão exata dos negócios processuais atípicos: a sua posição e consolidação no sistema processual civil.
No atual estágio a maior contribuição do instituto é de servir como uma provocação, para a necessidade de se compreender o processo, como um sistema que pretenda satisfazer os direitos das pessoas, de acordo com suas especificidades, mais aderente à realidade e de forma ágil, em vez de tutelá-los de forma inquisitorial e autoritário.
A mudança da cultura não depende apenas de uma lei que determine sua alteração, sob pena de incorrer no risco de se deixar aprisionar nas teias das abstrações, perdendo contato com a realidade.
As ideias de liberdade, de protagonismo, e respeito/dignidade as partes das demandas judiciais trazidos pelo novo instituto devem ter o condão de criar uma cultura, em especial aos advogados.
O processo não é uma finalidade em si, e não deve ser exaltado pela sofisticação e riqueza de procedimentos, se não serve para o seu principal propósito, qual seja, de resultado, como forma de garantir um direito estável, certo, previsível e aderente à realidade dos tutelados.
Afinal, como assevera o eminente jurista Rudolf Von Ihering [12]:
“O direito não é uma pura teoria, mas uma força viva. Por isso a justiça sustenta numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito. Uma não pode avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com que a justiça aplica a espada seja igual à habilidade com que maneja a balança”
Nesse contexto, o processo há de ser um instrumento eficaz para a satisfação do direito subjetivo do seu titular, devendo ser compreendido de forma racional e com uma dose inevitável de fluidez.
A inflexibilidade e a rigidez são próprias do formalismo ultrapassado e não coexistem com o moderno processo de resultados.
O processo civil não é tema de advogado do contencioso, e muito menos deve ser menosprezado e ser confundido com o rigorismo formal e burocrático do processo.
É antes de tudo ciência colocada à disposição dos profissionais do Direito como meio de transformação do status quo vigente.
O tema proposto e as suas implicações processuais são de fundamental importância para enaltecer a advocacia preventiva, para a composição e prevenção de conflitos de interesses, de forma ágil, e adequada à realidade das partes, com a presença da consensualidade.
O novo mercado exige uma advocacia mais colaborativa e próxima e menos contenciosa, mais profilática e menos reacionária, e que seja descomplicada, ágil e inovadora, como um portfólio de gestão empresarial.
Regressando ao tema, reprisamos: a maior contribuição do novel instituto é de servir como um novo paradigma quanto à função do processo, focado no resultado e celeridade e não no apego de suas formas processuais, em detrimento ao direito tutelado.
Destaca-se, nesta linha, a escolha consensual do perito, bastante significativa em termos de direito probatório e a possibilidade de construção de um calendário processual pelas partes, dispensando-se futuras intimações, acelerando, em contrapartida, o andamento do processo.
E, por fim, a possibilidade de saneamento, que permite as partes uma organização de construção do processo, submetido, posteriormente, a validação do juiz. Contudo, trata-se de meio bastante complexo, demandando estudo e diversas negociações pelas partes.
A burocracia é alimentada pela desconfiança, que gera insegurança, carecendo de infindável ritualismo formalista, com ilusório aparato de segurança e com enorme distanciamento da Justiça, cada vez mais formal do que real.
Reconhecemos que a forma dá segurança ao debate processual. Entretanto, quando a forma passa encontrar razão de ser em si mesma, deixando de ser instrumento, mas finalidade do processo chegamos ao formalismo, manifesto inimigo da Justiça, sendo causa e efeito da burocracia.
A simplicidade favorecerá um processo que se baseie na lealdade e protagonismo das partes e na validação dos seus negócios pelo Juiz, liberto de estéril formalismo, que macula a justiça sob o rótulo de defendê-la.
Referências bibliográficas
[1] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil Volume III, 21ª edição, Editora Saraiva, págs. 17.
[2] GOMES, Orlando. Contratos – 13ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 161.
[3] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 42-43.
[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 81-83.
[5] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado; coordenador Pedro Lenza. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 94.
[6] DIDIER JUNIOR, Fredie. Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo Civil Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro nº 57, jul./set. 2015.
[7] CAIS, Fernando Fontoura da Silva. Novo CPC anotado. AASP. Digital. P. 332. 2015.
[8] Neste sentido: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A contratualização do processo. São Paulo: LTr, 2015, p. 186.
[9] [10] DIDIER JUNIOR, F. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, v. 1, 17. ed. Salvador: Podivm, 2015. P. 377 e 380.
[11] ZOLANDEK, João Carlos Adalberto. O negócio jurídico processual: cases Paranaenses de aplicação e importância que impactaram na redução dos custos sociais. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-negocio-juridico-processual-cases-paranaenses-de-aplicacao-e-importancia-que-impactaram-na-reducao-dos-custos-sociais-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck. Acessado em 02/03/19.
[12] VON IHERING, Rudolf. A luta pelo Direito. Tradução de João de Vasconcelos. Rio de Janeiro, Editora forense, 1994. Pág. 01.
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