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Conta poupança com muita circulação financeira pode ser penhorada!



A qualidade de conta poupança, para ser protegida pela impenhorabilidade, deve ser consubstanciada materialmente, observando-se quais as transações são nelas efetuadas. Eventual constatação de movimentações intensas, e não como capital de guarda, acaba por alterar sua natureza, transmutando-a em verdadeira conta corrente, e, portanto, passível de ser objeto de constrição judicial.



Introdução


A boa-fé objetiva deixou de ser um princípio geral de direito para ser inserida textualmente no artigo 422 do Código Civil, e está visceralmente ligada à ideia de cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, não sendo lícita a procura pela tutela jurisdicional para, injustificadamente, buscar a fuga de um dever legal, faltando com a confiança desejada e esperada pelas partes.


Com amparo nesta premissa, abordaremos a legitimidade do valor bloqueado na conta poupança, cuja proteção, por meio da impenhorabilidade prevista em lei, restringe-se apenas a caderneta de poupança, enquanto capital de guarda e reserva de investimento vinculado à conta, sendo permitido o bloqueio de todo o depósito ali existente, estranha a essa finalidade, nos termos do artigo 854 do CPC.


A tutela executiva


Como leciona o Professor Dinamarco [1] a tutela executiva:


“consiste sempre em um resultado prático consistente na atuação do Estado-juiz sobre o mundo exterior ao processo mediante alterações capazes de afeiçoar uma situação concreta às exigências da ordem jurídica: uma coisa a ser entregue será efetivamente entregue, uma importância a ser paga vai efetivamente ao patrimônio do credor…”

Por sua vez, leciona o Mestre Alexandre de Freitas Câmara [2]:


“A execução forçada, destinada que é a satisfazer o direito de crédito do exequente, só será efetiva à medida que se revelar capaz de assegurar ao titular daquele direito exatamente aquilo que ele tem direito de conseguir. Assim, na execução por quantia certa, o processo de execução só será efetivo se for capaz de assegurar ao exequente a soma em dinheiro a que faz jus”

Assim sendo, indaga-se: qual o direito a ser tutelado? O artigo 797 do código de processo civil responde:


“Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados”

Por força de expressa disposição legal a finalidade de toda tutela executiva é satisfazer o interesse creditório do exequente.


Contudo, não obstante a posição predominante no campo doutrinário e jurisprudencial, no que tange a primazia do direito tutelado na espécie, a tutela executiva, em muitas ocasiões são infrutíferas, como demonstra a experiência forense.


Este quadro se explica ante a benevolência de parte do judiciário, motivada por razões de ordem pessoal e ideológica, estranhas ao ordenamento jurídico resiste em garantir a finalidade do processo, qual seja, realizar o crédito do exequente.


O exequente é visto muitas vezes como o malfeitor e o executado como eterno hipossuficiente.


Ainda estamos sob a égide de um estado de Direito, onde é vedado a autotutela e, conforme inteligência do princípio da isonomia, esculpida no artigo 5º, caput da norma ápice, a Lei é impessoal, não fazendo diferenciação a nenhum tutelado.


A expropriação forçada é um atributo da jurisdição para a concretização da justiça, ou seja, da preservação dos direitos consagrados pela ordem constitucional ao jurisdicionado que efetivamente é titular.


Deste modo, o Judiciário não pode tolerar a ineficácia da demanda executiva, impondo-se, para tanto, o dever de utilizar-se dos meios coercitivos necessários, alçando a garantia da execução como substrato da efetividade do processo.


Princípio da realização da execução no interesse do credor


A execução se destina à satisfação do credor, de forma que o devedor só pode exigir que se faça pelo modo menos gravoso, provando cabalmente que apresentou outros meios, tão eficientes quanto o bloqueio de seu dinheiro, para quitar o débito.


Isto porque, ainda que deva a execução se dar do modo menos oneroso ao devedor (artigo 805, CPC), não há de ser desprezado o princípio presente no artigo 797 de que a execução se realiza no interesse do credor, ou seja, buscar-se-á a forma menos onerosa ao devedor desde que esta se mostre a mais eficaz para obtenção do crédito pelo exequente.


Trata-se de mera interpretação sistemática dos artigos, na qual confere ao credor, na seara executiva, a primazia do direito tutelado.


Penhora: conceito e objeto


A penhora pode ser conceituada como “o ato pelo qual se especifica o bem que irá responder pela execução” [3]


E, no que tange ao objeto da constrição, engloba-se todos aqueles portadores de valor economicamente suscetível de avaliação, desde que, obviamente, comprovada a sua existência, por todos os meios de prova admitidos no Direito, salvo os absolutamente impenhoráveis por força de lei.


O artigo 789 do Código de Processo Civil é claro em afirmar que o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações, abarcando, portanto, tantos os bens materiais como os imateriais.


Com efeito, a tutela executiva tem por substrato a garantia da execução, sem a qual o objetivo fim da ação pode restar comprometido.


A ordem de preferência da penhora


O artigo 835 do CPC estabelece uma ordem de preferência na constrição colocando o dinheiro, em espécie, ou em depósito ou aplicação em primeiro lugar. Reza o seu § 1º:


“§ 1º – É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Desta forma, não há margem para controvérsias: a penhora de dinheiro é prioritária.


A ordem de penhora elencada no caput do artigo 835 do CPC, com exceção do dinheiro poderá ser alterada, sempre visando ao binômio da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade para o devedor.


O bloqueio de ativos via Sisbajud


É a constrição de numerário para garantia do juízo, em processos instruídos com títulos executivos, mediante penhora de dinheiro feita por meio eletrônico, utilizando a internet e as informações do Banco Central.


As ordens judiciais de bloqueio de valor têm como objetivo bloquear até o limite das importâncias especificadas e são cumpridas com observância dos saldos existentes em contas de depósitos à vista (contas correntes), contas de investimento e de poupança, depósitos a prazo, aplicações financeiras e demais ativos sob a administração e custódia da instituição participante, sem considerar quaisquer limites de crédito (cheque especial, crédito rotativo, conta garantida).


A indisponibilidade de ativos pode ser requerida antes da citação, frisa-se, na própria inicial [4] e sem a ciência prévia da parte contrária, contanto que o credor detenha um título líquido, certo e exigível, nos termos do artigo 854 do CPC [5].


Há apenas um bloqueio do quantum debeatur pleiteado na inicial, após a análise da higidez do título executivo, tornando referido numerário indisponível na própria conta do devedor.


O ato de apreensão somente será convolado em penhora, com a consequente transferência da quantia em conta judicial depois da apreciação judicial da impugnação ao bloqueio ou o decurso de prazo previsto no artigo 854, § 3º do código de processo civil.


Essa medida não se confunde com a penhora.


Enquanto a penhora é uma medida constritiva de apreensão e depósito do bem do executado, a indisponibilidade de ativos financeiros é mero ato de apreensão materializada por meio eletrônico em detrimento do executado, em sua própria conta, sem a transferência de valores para a conta judicial.


A opção do legislador foi clara em distinguir os dois atos de forma isolada, qual seja, o ato de apreensão e o do depósito do bem. Neste intervalo, a norma visa garantir a efetividade dos feitos executivos, cujo substrato é a garantia da execução.


Trata-se de importante inovação, de modo a garantir a efetividade do processo porquanto a medida é efetivada antes da citação ou intimação prévia do executado, impedindo o executado de esvaziar suas contas bancárias, em detrimento a garantia da execução.


A par disso, inexiste ofensa ao devido processo legal pela realização da indisponibilidade de ativos antes da citação ou intimação ou de qualquer tentativa, nessa seara, haja vista que o contraditório aqui é apenas postergado.


De forma esclarecedora, leciona Cassio Scarpinella Bueno [6]:


“O artigo 854 cuida da chamada “penhora on line” de dinheiro ou, como quer o título da Subseção V, “da penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira”. A disciplina do novo é mais bem acabada que a do art. 655-A do CPC de 1973, procurando disciplinar expressamente diversos pontos lacunosos ou, quando menos, pouco claros daquele dispositivo. Assim é que está clara a distinção entre o bloqueio dos valores (que se dá na conta do executado) e a sua transferência para conta judicial (§5º); a postergação (nunca eliminação) do contraditório (caput e § 2º); o ônus do executado de arguir eventual impenhorabilidade dos valores bloqueados ou a manutenção de indisponibilidade indevida (§ 3º) e a decisão a ser tomada a este respeito (§4º); o momento de transformação da indisponibilidade dos valores bloqueados em penhora, dispensada a lavratura de termo (§5º); os prazos para desbloqueio de valores indevidos (§§1º e 6º) e a responsabilidade do banco na demora do acatamento das determinações judiciais (§ 8º), todas elas transmitidas por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional (§ 7º)”

Deste modo, sem prejuízo da apresentação posterior dos embargos a execução e da impugnação ao cumprimento de sentença, frisa-se, com a consumação da penhora, o executado, de forma a resguardar o seu direito ao contraditório poderá oferecer prévia impugnação ao bloqueio decorrente da indisponibilidade de seus ativos.


Neste contexto, poderá o executado alegar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis ou então que a indisponibilidade foi excessiva.

Assim, a medida não representa qualquer prejuízo ao executado, que poderá exercer amplamente seu direito de defesa, assegurado do contraditório.


A lei apenas visou garantir a efetividade, celeridade e o substrato da ação, representada pela garantia da execução, no intervalo entre a distribuição, apreensão e o depósito do bem, em conta judicial, de modo a coibir que no lapso deste período seja empregada qualquer dilapidação indevida de patrimônio por parte do executado.


Por estes motivos, é exceção ao princípio da vedação a decisão surpresa nos termos do artigo 9º do CPC.


É, ainda, uma medida menos onerosa ao executado, porquanto eventual indisponibilidade excessiva será cancelada pelo juízo, de ofício, no prazo de 24 (horas) da reposta do ofício (§ 1º do artigo 854 do CPC).


Acrescenta-se ainda, o fato de ser esta “mini impugnação” (§ 3º do artigo 854 do CPC) um meio de defesa mais rápido do devedor para desconstituir eventual ilegalidade do bloqueio, antes mesmo do depósito em conta judicial e posterior consumação da penhora.


Cuida-se de medida rápida e eficaz que tem por desiderato o pleno desenvolvimento da execução, evitando-se a sua indefinida procrastinação ou injusta frustração ocasionados pela inexistência de garantia na execução.


O que é conta poupança e como funciona?


A poupança é uma conta de depósitos remunerada. Trata-se de uma reserva de valor para o enfrentamento de eventuais adversidades, enquanto meio de garantia contra fatos extraordinários que venham a atingir o investidor.


A principal diferença entre a conta corrente e a poupança é o rendimento. Ou seja, enquanto uma é depósito, a outra é investimento.


A conta corrente é feita para transações monetárias do dia a dia, como fazer transferências, pagar contas, receber dinheiro, fazer compras, e etc., de natureza circulatória e não como capital de guarda.


De acordo com a legislação atual (7), a remuneração dos depósitos de poupança é composta de duas parcelas:


I – a remuneração básica, dada pela Taxa Referencial – TR, e
II – a remuneração adicional, correspondente a:
a) 0,5% ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano for superior a 8,5%; ou 70% da meta da taxa Selic ao ano, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, enquanto a meta da taxa Selic ao ano for igual ou inferior a 8,5%.

A caderneta de poupança é o investimento mais popular e tradicional do país devido, principalmente, a sua simplicidade de aplicação e de resgate, com isenção de imposto de renda, oferecida pelas instituições financeiras públicas e privadas, por meio de contas bancárias chamadas de conta poupança.


Dessa forma, os valores depositados na conta poupança são aplicados automaticamente na caderneta de poupança, tem liquidez diária e sofrem remunerações mensais, conforme acima exposto.


É uma aplicação segura e suas regras de funcionamento são estipuladas pelo Banco Central, por isso existe uma padronização de taxas e de funcionamento em todas as instituições financeiras.


Da boa-fé objetiva dos contratos


Reza o artigo 422 do Código Civil:


“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” 

O principio da boa-fé objetiva, pode ser compreendido como um conceito ético de conduta, moldado nas ideias de proceder com correção, com dignidade, pautada a atitude nos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar. [8]


Sob este aspecto, de forma a prestigiar, bem como preservar a confiança nos negócios o legislador também consagra o princípio da boa-fé objetiva e da cooperação, nos artigos 5º e 6º no novo Código de Processo Civil, ecoando, desta forma, para todo o ordenamento jurídico.


Aplicado ao nosso tema, a caderneta de poupança, enquanto contrato bancário, trata-se de reserva financeira (investimento), e não conta remunerada para depósitos de valores e pagamento de contas.


A partir do momento em que o dinheiro está à disposição do correntista, com movimentação constante (débitos), muito embora a conta seja classificada como poupança, resta desconstituída a condição de poupador, na medida em que os valores passam a integrar constantemente seu patrimônio, restando descaracterizada a segurança jurídica dada em lei.


A interpretação do artigo 833, X, do Código Civil sob a perspectiva da boa-fé


A caderneta de poupança é impenhorável, mas não a conta poupança, modalidade de conta utilizada, frisa-se, muitas vezes, como se fosse conta corrente.


Sob esta perspectiva, a característica de conta poupança, para ser protegida pela impenhorabilidade, deve ser consubstanciada materialmente, de modo a se registrar quais as transações que são nelas efetuadas no caso concreto.


Eventual constatação de movimentações intensas acaba por alterar sua natureza, transmutando-a em verdadeira conta corrente, passível, de acordo com o artigo 854, caput, do Código de Processo Civil e a jurisprudência, de bloqueio judicial.


Com efeito, a proteção conferida pelo artigo 833, X, do CPC busca proteger valores de fato poupados pela parte.


Nesse sentido, já se posicionou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a saber:


“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. CONTA-POUPANÇA. ACÓRDÃO A QUO QUE CONCLUIU PELA UTILIZAÇÃO DA CONTA POUPANÇA COMO CONTA CORRENTE EM RAZÃO DAS SUCESSIVAS MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. 1. No caso, o Tribunal de origem, atento ao conjunto fático-probatório dos autos, assentou que “verifica-se, a partir do extrato acostado às fls. 63/65, que a conta bancária nº 512.178-7 foi objeto de intensa movimentação, sendo realizados descontos e compensações de cheques, gastos com crédito e diversos saques, o que descaracteriza sua condição de conta-poupança. Na verdade, a forma de utilização da referida conta mostra maior proximidade material com uma conta-corrente, que, salvo as verbas de caráter alimentar, não está protegida pela impenhorabilidade do art.649, CPC.” (e-STJ fls. 191/192). Para se chegar a entendimento diverso do contido na decisão hostilizada, necessário seria proceder-se ao revolvimento das provas apresentadas, finalidade que escapa ao âmbito do apelo manejado, nos termos da Súmula n. 7 do STJ. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 511240/AL, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142), T1, j. 19/03/2015). GN.

Confiram-se, ainda, precedentes do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acerca do tema:


“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. (…) IMPENHORABILIDADE DE CONTA POUPANÇA. Utilização pelo Executado/Réu da conta poupança com movimentação característica de conta corrente, com pagamentos e saques. Impossibilidade de aplicação da proteção da impenhorabilidade prevista no art. 649, X, do CPC. Mantida a r. decisão interlocutória agravada. RECURSO DO EXECUTADO/RÉU NÃO PROVIDO. (J. 11/11/2014, v.u.) Agravo de instrumento nº 2027351-26.2014.8.26.0000, Relator: Des. JULIO VIDAL. Gn”

“Agravo de instrumento nº 2023474-44.2015.8.26.0000. Relator: NESTOR DUARTE. Órgão julgador: 34ª Câmara de Direito Privado. 
Ementa: Penhora. Alegada incidência sobre caderneta de poupança. Inocorrência. Existência de movimentações incompatíveis com a natureza da caderneta, configurando simples conta poupança. Agravo improvido. (j.30/03/2015, v.u.) GN.

“Agravo de instrumento nº 2213795-70.2014.8.26.0000
Relator: RICARDO NEGRÃO
Órgão julgador: 19ª Câmara de Direito Privado
Ementa: PENHORA Execução de título extrajudicial Decisão judicial que reconheceu a impenhorabilidade do montante bloqueado nos termos do art. 649, X do CPC, pois menor que quarenta salários mínimos, ainda que depositado em conta corrente ou em aplicação com resgate automático, e que não incide o disposto no artigo 649, IV do CPC. Alegação de que razão cabe à decisão combatida ao reconhecer que não se trata de verba de caráter alimentar, mas que ao contrário do que constou, a hipótese prevista no art. 649, inc. X do CPC é claro ao dispor que somente a caderneta de poupança é impenhorável Cabimento parcial Nos termos do art. 649, inciso X, do Código de Processo Civil são impenhoráveis os numerários depositados em cadernetas de poupança até o limite de quarenta salários mínimos Ressalta-se que esta Câmara adotou a postura de se verificar a movimentação financeira das contas, de modo a ficar inequívoco que realmente se trata de conta poupança Hipótese na qual, inequívoco que se trata de conta corrente, fica afastada a impenhorabilidade neste tocante (…) (j.25/05/2015, v.u.) Gn.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Penhora “on line”. Impugnação rejeitada. Ausência de demonstração de que o bloqueio recaiu exclusivamente sobre verba salarial. Manutenção do bloqueio de ativos financeiros. CONTA CORRENTE VINCULADA À POUPANÇA. Possibilidade de incidência da penhora sobre conta poupança, quando esta perde a característica de investimento e é utilizada como se conta corrente fosse, como no caso. Decisão mantida. PREQUESTIONAMENTO. Desnecessidade de menção expressa a todos os dispositivos legais. Recurso não provido. (TJSP. Agravo de Instrumento 2156758-46.2018.8.26.0000; Relator (a): JAIRO BRAZIL FONTES OLIVEIRA; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi Mirim – 2ª Vara; Data do Julgamento: 21/08/2012; Data de Registro: 11/02/2019) Gn.

Portanto, descaracterizada, in casu, a reserva de investimentos, na conta poupança, em face de sua intensa movimentação, fica, por conseguinte, afastada a proteção da impenhorabilidade prevista no inciso X do artigo 833 do CPC, na qual busca proteger os valores efetivamente destinados a reserva, poupados pela parte.


Todavia, é ônus do credor comprovar o vício da conta poupança, qual seja a sua utilização desvirtuada para uma conta corrente, com evidente natureza circulatória, com operações financeiras de crédito e débito.


Há vários mecanismos de produção de prova, como a requisição de extratos, além do suporte oferecido pelo sistema CCS-BACEN, por meio da opção denominada “relacionamento”, maximizando as possibilidades de identificação de eventual utilização de uma pessoa como “laranja” de outrem, fato que, infelizmente, não é incomum nas grandes contendas de crédito.


Conclusão


A lei não deve ser fonte de benevolências, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os jurisdicionados, independentemente da classe de renda, gênero, credo e etc., e, ao final, realizar o Direito tutelado.


Trata-se da observância do notório princípio da isonomia, esculpido no artigo 5º da Constituição Federal.


O artigo 125, inciso II, do código de processo civil, dispõe que compete ao magistrado velar pela rápida solução do litígio, em consonância ao principio constitucional da celeridade e efetividade, esculpida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.


Por força de expressa disposição do artigo 797 do código de processo civil a finalidade de toda tutela executiva é satisfazer o interesse creditório do exequente.


O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, conforme disposto no artigo 789 do diploma processual civil.


A primazia do direito tutelado na seara executiva é satisfazer o direito creditório do jurisdicionado titular, observando-se apenas a higidez do titulo executivo. O bloqueio de dinheiro é prioritário, conforme vimos na sua gradação legal.


Sob esta perspectiva, leciona José Carlos Barbosa Moreira [9]:


“O processo de execução atinge a sua consumação normal desde que se estabeleça a correspondência, tão perfeita quanto possível, entre a situação real e a indicada na norma jurídica concreta. Assim, por exemplo, quando se reembolse o credor da importância que lhe era devida”

Conforme frisamos, não se admite a autotutela, prestando-se o processo de execução no meio legal pelo qual se busca a satisfação de uma prestação devida, por meio do uso da força do Estado.


Logo, os atos executivos são coercitivos tendo em vista que o objetivo da execução é obrigar o devedor a quitar a dívida, satisfazer o crédito.


São passíveis de penhora e alienação, todos os bens do devedor, a teor do artigo do artigo 391 do Código Civil.


A regra da execução é a possibilidade de penhora de bens para satisfação do crédito, a impenhorabilidade é exceção à regra, portanto, os bens impenhoráveis devem ser expressos. Impenhoráveis são apenas os bens que a lei taxativamente enumera como tais.


De rigor, portanto, a produção de provas, a sua valoração e a conferência da impenhorabilidade de numerário, bloqueado em contas classificadas como de poupança, com a devida fundamentação, em face de sua excepcionalidade.


Veja-se que os bens inalienáveis estão previstos, expressamente, no artigo 833, de forma clara e direta.


Mostra-se, dentre deste contexto, infundada a interpretação, frisa-se, exageradamente protetiva, quanto à impenhorabilidade absoluta do numerário depositado em conta poupança.


O legislador pretendeu preservar a dignidade do devedor e garantir-lhe um valor mínimo de reserva para eventuais emergências.


Neste contexto, não podemos descurar do principio da boa fé objetiva, enquanto diretriz prevista no artigo 422 do Código Civil, cuja mens legis, está visceralmente ligada à ideia de cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, não sendo lícita a procura pela tutela jurisdicional para, injustificadamente, buscar a fuga de um dever legal, faltando com a confiança desejada e esperada pelas partes.


Sob este aspecto, de forma a prestigiar, bem como preservar a confiança nos negócios o legislador também consagra o princípio da boa-fé objetiva e da cooperação, nos artigos 5º e 6º no novo Código de Processo Civil, ecoando, desta forma, para todo o ordenamento jurídico.


Aplicado ao nosso tema, a proteção conferida pelo art. 833, X, do CPC busca proteger valores de fato poupados pela parte para eventual adversidade futura, ou seja, a caderneta de poupança, e não a conta remunerada para depósitos de valores e pagamento de contas, sob o manto de uma “conta poupança”.


A natureza emergencial (reserva de valores) da conta alvo de bloqueio judicial deve ser a premissa para a análise do julgador, porquanto a regra da execução é a possibilidade de penhora de bens para satisfação do crédito, a impenhorabilidade é exceção à regra.


Com efeito, a proteção por meio da impenhorabilidade extensiva, frisa-se, contra legem, incita à insegurança jurídica em nível macroeconômico, onde todos sofrerão as consequências das atitudes ardilosas dos maus pagadores, com a instabilidade econômica e aumento dos juros, contribuindo, negativamente para o denominado Custo Brasil. [10]


O devedor deve ser capaz de honrar os compromissos assumidos e, se não o é, que responda com seus bens.


Em face desta celeuma não está aqui se cogitando de haver uma antinomia, tampouco se fazer lobby em favor de determinado setor/segmento da atividade econômica.


Defendemos a necessidade de se interpretar a Lei de forma lógica e sistemática, com o escopo de garantir a própria unidade, coerência e coesão do ordenamento jurídico e, consequentemente, a tão almejada segurança jurídica.


Norberto Bobbio [11] apresenta os pressupostos do ordenamento jurídico: único, coerente e completo, capaz de superar todas as antinomias e lacunas verificáveis, sem perder a autonomia.


Com efeito, e, realçando-se a importância da hermenêutica na aplicação do Direito, a natureza excepcional da impenhorabilidade aqui defendida é oriunda de uma interpretação lógica e sistemática do ordenamento jurídico.


Neste contexto, leciona Maximiliano [12]:


“O processo Lógico propriamente dito consiste em procurar descobrir o sentido e o alcance de expressões do Direito sem o auxílio de nenhum elemento exterior, com aplicar ao dispositivo em apreço um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à lógica geral. Pretende do simples estudo das normas em si, ou em conjunto, por meio do raciocínio dedutivo, obter a interpretação correta.
Consiste o Processo Sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto.
Por umas normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as consequentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma” Grifos nossos.

A regra, no direito pátrio, é a penhorabilidade bens, sendo exceção à impenhorabilidade. As normas que a impõe, pois, merecem interpretação restritiva.


Neste compasso, a excepcional impenhorabilidade prevista no inciso X do artigo 833 do Código de Processo Civil é norma que se destina à garantia da dignidade do devedor, circunstância que guarda pertinência exclusivamente à caderneta de poupança, cuja finalidade para o poupador é manter valor da moeda, e acrescer pequena e segura remuneração.


Protege-se, portanto, o capital de guarda, e não o de circulação o qual deve ser empenhado em prol da satisfação do débito exequendo, sendo inadmissível, nesta toada, o decreto de impenhorabilidade pelo simples fato da conta objeto de bloqueio judicial ser classificada como poupança, demandando análise das particularidades de sua movimentação.


Ausente, pois, o caráter de reserva indispensável ao numerário, é legítima a penhora sobre o valor depositado em conta poupança, sob pena de desvirtuamento, com o nítido intuito de frustrar a penhora dos bens dos devedores especializados.



Referências bibliográficas e notas


[1] [3] DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª edição. Volume IV. Malheiros editores. P. 37 e 520.


[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. II. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 153, 520.


[4] O regulamento do Bacen-Jud é um documento criado pelo Grupo Gestor do sistema, composto por representantes do BC, do Conselho Nacional de Justiça (como representante do Poder Judiciário) e das instituições financeiras e demais autorizadas pelo BC, cujo objetivo consiste em disciplinar a operacionalização e a utilização do sistemas pelos seus usuários.


[5] Cabe ao exequente indicar no momento da propositura de seu ensejo a espécie de execução de sua preferência, quando mais de um modo puder ser realizada, por força do artigo 798, II, do Código de Processo Civil.


[6] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. P. 520.


[7] BRASIL. Lei nº 8.177. de 1º de março de 1991. Estabelece regras para a desindexação da economia e dá outras providências. Art. 12; Lei nº 8.660 de 28 de maio de 1993. Estabelece novos critérios para a fixação da Taxa Referencial – TR, extingue a Taxa Referencial Diária – TRD e dá outras providências. Artigo 7º.


[8] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo, 3º Volume, Ed. Saraiva, 28ª ed., pág. 60.


[9] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. Pág. 204.


[10] Em decorrência da falta de segurança de que o crédito vai ser recuperado o credor embute o risco nos juros, em especial, nos contratos de financiamento, onerando ou mesmo restringindo o crédito, o que também implica na diminuição de investimentos. A participação da Justiça no custo Brasil se dá em razão do alto nível de insegurança jurídica e de efetividade da jurisdição, o que provoca o aumento do risco e dos custos das transações econômicas, afetando a competitividade das empresas brasileiras e onerando, por conseguinte, a renda familiar dos consumidores.


[11] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora UNB, 1999.


[12] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Editora forense, 17ª edição. Pág. 123 e 128.



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