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A instrumentalidade do ato citatório


As normas sobre processo, albergadas pela garantia constitucional que consagra o devido processo legal como instrumento de tutela dos indivíduos contra o exercício arbitrário são amenizadas ou contemporizadas pelos princípios da instrumentalidade e da efetividade. Sob este contexto, a regra da pessoalidade da citação é excepcionada, enquanto ato instrumental, prestigiando-se, portanto, a concretização da sua finalidade, qual seja, dar ciência ao demandado acerca da existência da ação.


Introdução: o ato citatório


A citação, nos termos do artigo 238 do Código de Processo Civil “é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”.


O novel diploma processual civil, de forma mais técnica ao anterior consigna a necessidade do ato de convocação do réu para integrar a relação processual, não apenas para se defender na fase de conhecimento, como também ser compelido a cumprir uma obrigação, em sede de cumprimento de sentença, além das hipóteses legais de integração processual por meio de litisconsórcio.


É condição de eficácia do processo em relação ao réu, como meio para garantir o contraditório/ampla defesa. A citação válida tem o condão de gerar efeitos processuais (litispendência e litigiosidade do objeto discutido em juízo) e materiais (constituição do devedor em mora).


O artigo 242 do CPC firma a regra da pessoalidade da citação. Entretanto, conforme veremos, o ordenamento jurídico permite a citação de forma indireta, realizada na pessoa daquele que aparentava ter poderes para receber a citação, portando-se como se fosse para tanto, embora não fosse o demandado, tampouco o seu representante legal.


Trata-se de aplicação da teoria da aparência, inspirada nos ideais da boa-fé objetiva do direito material, no âmbito do ato citatório.


Destacamos também a importância dos princípios de Direito na interpretação dos resultados dos atos processuais referente à citação, como o da boa-fé processual, cooperação e da ciência inequívoca, de modo a coibir o uso predatório e irracional da máquina judiciária.


A finalidade deste ato processual, qual seja, dar ciência da demanda ao seu destinatário, deve ser o fim, prevalecendo-se sobre a forma, sendo defeso ao demandado se utilizar das formas prescritas nas legislações processuais com o intuito protelatório ou mesmo para se evadir da tutela jurisdicional.


Princípios de Direito


É de extrema importância o estudo dos princípios na medida em que estes se constituem em fontes basilares para qualquer ramo do Direito, influindo tanto na sua formação como na sua aplicação.


O jurista Miguel Reale [1] define princípios como sendo: “…certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.


Em sua lição, De Plácido e Silva [2], estudioso dos vocábulos jurídicos, ensina que os princípios são o “conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica”.


Colacionamos, outrossim, a definição dada pelo eminente Celso Antônio Bandeira de Mello [3] acerca do tema:


“…princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.

O processo não é somente técnica. É, na verdade, o resultado de séculos de lutas, guerras que objetivaram dar transparência ao ato de julgar.


Deste modo, deve ser reconhecida a importância dos princípios que o norteiam, sob pena de considerá-lo um mero conjunto de atos processuais, confundindo-o com o rito (procedimento) e, consequentemente, dissociando-o de sua verdadeira função: instrumento de concretização da justiça, ou seja, da preservação dos direitos consagrados pela ordem constitucional ao jurisdicionado que efetivamente é titular.


O princípio da instrumentalidade das formas


Com efeito, o direito processual tem como objetivo a efetividade da tutela do direito material, adotando a vertente de instrumentalidade do processo.


A ciência e as formalidades desmotivadas foram substituídas pela instrumentalidade e busca da eficiência na prestação jurisdicional.


As constantes reformas que estão sendo empregadas ao Código de Processo Civil têm por escopo tornar a tutela jurisdicional mais efetiva.


O Direito Processual procura disciplinar o exercício da jurisdição por meio de princípios e regras que confiram ao processo a mais ampla efetividade, ou seja, o maior alcance prático e o menor custo possível na proteção concreta dos direitos dos jurisdicionados.


A construção da teoria das nulidades dos atos processuais tem como alicerce de validade, sempre coadunada ao princípio da instrumentalidade das formas, uma ciência dissociada da teoria civilista.


A Teoria civilista equipara nulidade absoluta a vício insanável, o que realmente não se compatibiliza aos ideais de efetividade e de aproveitamento máximo dos atos processuais.


Em regra, os atos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente o exigir.


Entretanto, conforme inteligência dos artigos 188 e 277 do Código de Processo Civil, que consagram o princípio da instrumentalidade das formas em nosso ordenamento processual civil, consideram-se válidos os atos que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.


Constitui em desdobramento da regra da instrumentalidade, a disposição do artigo 282, § 1º do CPC:


“Art. 282 (…)
§ O ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte”.

Portanto, nessa seara, os intérpretes e julgadores, partindo da premissa de que as formas processuais são apenas meios para o alcance da tutela jurisdicional, devem no seu mister apoiarem-se no binômio escopo-prejuízo, deixando bem claro que nada se anula quando este houver sido obtido.


A boa fé processual e o princípio da cooperação


O artigo 5º do Código de Processo Civil, inspirando-se no direito privado prevê uma cláusula geral de boa-fé processual e de cooperação que devem nortear a atuação de todos os sujeitos do processo nos sucessivos atos e procedimentos:


“Art. 5º – Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”

“Art. 6º – Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”

Leciona o Professor José Rogerio Cruz e Tucci [4] acerca do seu conceito e fundamento:


“O fundamento constitucional da boa-fé decorre da cooperação ativa dos litigantes, especialmente no contraditório, que devem participar da construção da decisão, colaborando, pois, com a prestação jurisdicional. Não há se falar, com certeza, em processo justo e équo se as partes atuam de forma abusiva, conspirando contra as garantias constitucionais do devido processo legal”.
… Note-se que a boa-fé processual desdobra-se nos deveres de veracidade e de lealdade na realização dos atos processuais, contemplados nos arts. 77 e 142 do CPC/2015”.

Assim sendo, compreende-se que o processo fluirá melhor existindo uma confiança na perspectiva de retidão, em sentido diametralmente oposto, a ausência de lisura na esfera processual, resulta em desconfiança, burocracia, má vontade, sendo um obste ao prosseguimento regular do feito.


No que tange ao nosso tema, o demandado não pode criar embaraços à efetividade das decisões judiciais, subtraindo-se da jurisdição, empregando meios maliciosos de ocultação e oferecendo resistência injustificada à tramitação do processo.


A teoria da aparência


Na esfera processual, a teoria da aparência é desdobramento dos princípios da instrumentalidade das formas e da lealdade e boa fé processual, reconhecendo a eficácia dos atos processuais a situações aparentes.


Por meio da aplicação dessa teoria sana-se a invalidade do ato citatório pela ausência de sua pessoalidade (artigo 242 do CPC) em face de uma situação putativa apta a induzir à presunção de que o citando tomou efetivo conhecimento da demanda.


O resultado consiste em uma “citação indireta, implícita”, porém legítima, a despeito de não se tratar propriamente de citação ficta (por edital ou hora certa).


A teoria da ciência inequívoca


A teoria da ciência inequívoca, restrita ao âmbito do ato processual discutido resulta de uma presunção que se extrai das circunstâncias fáticas do caso. Para que se alcance tal presunção, apta a considerar suprido o ato citatório, é necessária apontar dados objetivos e verossímeis que induzam a tomada de conhecimento da ação pelo demandado.


Casuísticas


Neste capítulo, discorreremos sobre casos rotineiros da prática forense que ilustram com clareza a aplicação dos princípios e teorias aqui destacados, defendendo os atos processuais não como um fim em si mesmo, mas como meio de tornar efetivo o direito subjetivo ao seu titular.


O comparecimento espontâneo do réu


O comparecimento espontâneo do réu supre a falta da citação, nos termos do artigo 239, § 1º, do Código de Processo Civil:


“Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.
§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.”

A respeito do referido dispositivo, esclarecem Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:


“O réu que comparece espontaneamente aos autos dá-se por citado no momento em que se evidencia esse comparecimento, como, por exemplo, juntando ele procuração aos autos, peticionando nos autos, tendo vista dos autos no cartório ou fora dela etc. (…) A partir do momento em que o réu tem ciência inequívoca da ação, ocorre a citação” [5]

Oportuno trazer a lição do Professor Humberto Theodoro Júnior sobre o tema:


“Admitia, outrossim, o CPC de 1973, a possibilidade de o réu comparecer, não para apresentar defesa, mas apenas para alegar a nulidade da citação. Nesse caso, acolhida a arguição, abria-se o prazo para defesa (art. 214, §2º). O Código atual não prevê essa alternativa. Comparecido o réu para alegar dita nulidade, só com o seu comparecimento já está suprido o defeito do ato citatório, começando de imediato o prazo para produzir contestação ou embargos. Não lhe cabe, portanto, aguardar a solução da alegação para depois se defender. Se assim proceder, mesmo que a nulidade seja reconhecida, o prazo de resposta já estaria fluindo desde o momento do seu comparecimento; e, provavelmente, pelo aguardo do pronunciamento judicial, já teria se esgotado; a revelia, então, teria se consumado irremediavelmente. (…) O Código atual, como se vê, é implacável: comparecendo o réu, depois de uma citação nula, terá de produzir logo sua defesa, sob pena de ultrapassado o prazo para tanto, ser havido como revel, nada obstante a nulidade ocorrida no ato citatório” [6]

Neste sentido, já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:


“AGRAVO REGIMENTAL. CITAÇÃO. PRAZO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO NO CARTÓRIO. CITAÇÃO PELO ESCRIVÃO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. INÍCIO DO PRAZO PARA RESPONDER. 1. ‘É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual o comparecimento espontâneo aos autos para arguição de nulidade relativa a atos de citação e intimação supre possíveis vícios de comunicação processual, contando-se o prazo recursal eventualmente cabível a partir da data do comparecimento, que coincide com a data da ciência inequívocada decisão a ser impugnada” (REsp 1236712/GO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. 03.11.2011).

Desta forma, a mera retirada dos autos em cartório ou mesmo a juntada de procuração do advogado do réu nos autos enseja a ciência inequívoca da ação, dando-se por citado, com início do prazo para sua defesa.


Vigora no nosso sistema processual a teoria da ciência inequívoca, a fim de garantir efetividade e celeridade aos processos, com o objetivo principal de garantir que as partes não utilizem das formalidades prescritas nas legislações processuais como escudos impenetráveis a serviço do litigante com intuito protelatório.


Deste modo, não é imprescindível a existência de poderes específicos no instrumento de mandato para receber citação, sob pena de se prestigiar a manobra, a má-fé processual e a protelação do feito.


A juntada de procuração nos autos, sem poderes para receber a citação, com a finalidade de extração de cópias fora de cartório, mas com referência expressa no sentido de que a outorga se destina ao patrocínio da defesa do demandado na ação em curso, evidencia a circunstancia do comparecimento espontâneo do réu, não havendo que se cogitar da nulidade da citação.


Neste sentido a Quarta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça entende que:


“a orientação jurisprudencial desta Corte Superior estabelece que o comparecimento nos autos de advogado da parte demandada com procuração outorgando poderes para atuar especificamente naquela ação configura comparecimento espontâneo a suprir o ato citatório, deflagrando-se assim o prazo para a apresentação de resposta. Isso porque, nessas circunstâncias, o réu encontra-se ciente de que contra si foi proposta demanda específica, de sorte que a finalidade da citação que é a de dar conhecimento ao réu da existência de uma ação específica contra ele proposta foi alcançada” (AgRg no AREsp 336.263, j. em 15/10/2015. Rel. Min. Raul Araujo.).

Salvo hipóteses de fraude e vícios de consentimento no ato da outorga do mandato é de se reconhecer o comparecimento do réu nos autos, em especial, nos casos que a defesa se faça pelo mesmo advogado que tenha retirado os autos em cartório e/ou foi o outorgado da procuração ali juntada, restando, por óbvio, incontroverso o intuito de contestar a demanda.


Ademais, o próprio E. Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que “a retirada dos autos do cartório por procurador enseja a ciência inequívoca da parte, começando aí a contagem do prazo para recurso” (AgRg no Ag 1314771/DF, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 25/02/2011)

E, também, já foi compartilhada em nossos Tribunais de Justiça:


“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. TEMPESTIVIDADE. LIMINAR CONCEDIDA EM FAVOR DA MÃE. INDÍCIOS DE MAUS TRATOS. VEROSSIMILHANÇA E PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL. REQUISITOS DEMONSTRADOS. CONCEDIDA A GUARDA PROVISÓRIA AO PAI. I – A juntada de procuração no processo implica em comparecimento espontâneo da parte e supre a necessidade de sua intimação. O prazo legal para interposição de agravo flui a partir da juntada do instrumento de mandato, salvo se comprovada anterior intimação do réu. (…) “ (E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Agravo de Instrumento Cv 1.0024.10.165494-5/001, Relator(a): Des.(a) Bitencourt Marcondes , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/08/2011, publicação da súmula em 26/10/2011).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO. INTEMPESTIVIDADE RECURSAL. PRAZO INICIAL. CARGA DOS AUTOS PELO PROCURADOR DA PARTE, PARA JUNTADA DE INSTRUMENTO DE MANDATO. INÍCIO DA FLUÊNCIA DO PRAZO. O termo inicial para interposição de recurso inicia-se, de regra, da data da publicação da decisão agravada. Excepciona-se essa regra quando, por outro modo, houver ciência inequívoca da decisão, como no caso em que o procurador da parte junta aos autos procuração, em momento posterior à decisão agravada, e anterior ao da intimação, passando, a partir de então, a fluir o prazo recursal. RECURSO NÃO CONHECIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70039286117, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 02/12/2010)

Portanto, o aviamento da procuração, com poderes para atuar especificamente na ação deve ser entendido como ato bastante para configurar a ciência inequívoca do demandado acerca da existência do processo, e, a partir daí, ter inícios os prazos para manifestação, conforme indicar o procedimento.


Citação por correio (recusado)


A mera recusa do recebimento da carta pelo próprio requerido frisa-se, sem qualquer justificativa plausível não pode ser utilizada para o argumento de que não foi citado, sem embargos do fato dos atos do carteiro não deterem “fé pública”.


Se for, de fato, o endereço do réu, a recusa da correspondência implica em que se dê por citado. É uma presunção óbvia. Tendo assim por correta a citação efetivada, não obstante aquela irresignação frisa-se, sem qualquer valoração jurídica.


Neste sentido:


“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CITAÇÃO VIA CORREIO. CARTA DEVOLVIDA POR RECUSA. CITAÇÃO VÁLIDA. NULIDADE DOS ATOS POSTERIORES. IMPOSSIBILIDADE. BOA FÉ.
– A recusa ao recebimento da carta de citação acarreta a convalidação do ato”
(Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.0145.11.050787-1/001. Rel. Des. Rogerio Medeiros. 14ª Câmara Cível).

A rejeição da parte ao recebimento da carta registrada no aviso de recebimento postal acarreta a convalidação do ato citatório, como forma de prestigiar a boa fé processual.


Citação postal na pessoa do preposto (empresa)


À luz da teoria da aparência, considera-se válida a citação por carta postal realizada na pessoa de quem, na sede do estabelecimento de empresa demandada, recebe o aviso de recebimento (AR) sem fazer qualquer ressalva quanto a eventual falta de poderes para tanto.


Precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça:


“(…. NULIDADE DA CITAÇÃO. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. NÃO OCORRÊNCIA. (…)
1.- É válida a citação de pessoa jurídica por via postal, quando realizada no endereço da ré, sendo desnecessário que a carta citatória seja recebida e o aviso de recebimento assinado por representante legal da empresa.
2.- É ônus da ré, no caso de empresa de grande porte, que sabidamente ocupa diversos andares de edifícios comerciais, provar que o andar em que entregue a citação, por via postal, não é por ela ocupado, sendo insuficiente a mera alegação de que o andar a que endereçada não corresponde ao endereço da citada. (…) Recurso Especial improvido. (REsp 879.181/MA, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 01/07/2010).

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CITAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. SÓCIO QUE NÃO POSSUI PODERES DE REPRESENTAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA. – Na linha de precedentes da Corte Especial, é válida a citação da pessoa jurídica quando esta é recebida por quem se apresenta como representante legal da empresa e recebe a citação sem ressalva quanto à inexistência de poderes de representação em Juízo. É válida a citação de empresa feita na pessoa de sócio que detém 50% do capital social e não se opõe ao ato alegando inexistência de poderes de representação. Recurso especial não conhecido” (REsp 660.014/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13.09.2005, DJ 26.09.2005 p. 366).

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MONITÓRIA. CITAÇÃO. VALIDADE. TEORIA DA APARÊNCIA. VERIFICAÇÃO DA EXIGIBILIDADE DOS TÍTULOS. MATÉRIA PROBATÓRIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. De acordo com o entendimento desta Corte, que adota a teoria da aparência, considera-se válida a citação válida pessoa jurídica efetivada na sede ou filial da empresa a uma pessoa que não recusa a qualidade de funcionário. Precedentes. […] 3. Agravo regimental não provido” (STJ, 4ª T., AgRg no AREsp nº 601115/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 24/3/2015, DJe de 30/3/2015).

Com a promulgação do vigente Código de Processo Civil, não pairam dúvidas quanto à possibilidade de citação na pessoa do preposto da empresa, assim identificado, conforme disposto no § 1º do artigo 242 do CPC:


“Art. 242 – A citação será pessoal, podendo, no entanto, ser feita na pessoa do representante legal ou do procurador do réu, do executado ou do interessado”.
§ “1º – Na ausência do citando, a citação será feita na pessoa de seu mandatário, administrador, preposto ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles praticados”

Não está eivado de nulidade o ato de citação postal cuja carta fora remetida à empresa ré, em endereço correto, e realizado na pessoa de seu preposto que assinou o Aviso de Recebimento, identificando-se, aplicando-se, nesse desiderato a teoria da aparência.


Citação nos condomínios edilícios


O § 4º do artigo 248 do CPC abriu uma importante exceção à pessoalidade da citação da pessoa física ao permitir que nos condomínios edilícios ou loteamentos o porteiro receba a citação e assine o aviso de recebimento, prestigiando-se novamente a teoria da aparência.


Oportuno ressaltar a faculdade do porteiro de se negar a receber a citação, desde que declare por escrito, sob pena de falsidade, que o destinatário está ausente.


No silêncio, presume-se a legitimidade da citação recebida pelo aludido profissional em nome do citando.


Trata-se de uma presunção relativa (juris tantum) podendo, portanto, ser elidida.


O intuito do legislador, além de prestigiar a teoria da aparência, foi conferir celeridade e efetividade às citações de pessoas físicas que residam em moradias sob a forma de condomínios ou loteamentos com portaria.


Aplicação da Teoria da aparência na citação de pessoa física


Cabe a aplicação da Teoria da Aparência, apesar de o citando ser pessoa física, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto.


Colacionamos a situação em que se reconheceu a validade do aviso de recebimento postal de citação recebida por funcionário do estabelecimento comercial (pousada) onde o citando é sócio. Vejamos:


“CITAÇÃO POSTAL. PESSOA FÍSICA. DOMICÍLIO. POUSADA EM QUE O CITANDO É SÓCIO. TEORIA DA APARÊNCIA.
1. Tratando-se de local comercial que serve de domicílio ao agravante, presume-se ter recebido citação a ele dirigida.
2. Conforme afirma o agravante, a pessoa que recebeu a citação é atual esposa do agravante, assertiva essa não refutada.
3. Cabe aplicação da Teoria da Aparência, apesar de o citando ser pessoa física, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto. Afinal, a situação em questão não se confunde com o condomínio residencial, em que o porteiro desconhece a maioria dos moradores, não tendo contato nenhum com muitos deles. No caso, sendo um dos sócios da pousada e nela mantendo domicílio, todos os funcionários têm conhecimento de sua pessoa. 4. Recurso não provido” (Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 2064778-57.2014.8.26.0000. 14ª Câmara de Direito. Des. Rel. Melo Colombi. Julgado em 16/06/14).

O endereço em que a citação ocorreu corresponde ao do domicílio do citando. Sendo uma pousada onde é sócio, presumiu-se que tal, como o representante de uma empresa, recebeu correspondência a ele dirigida.


Neste contexto, apesar de o citando ser pessoa física, cabe aplicação da teoria da aparência neste caso em particular.


Com efeito, no caso sub judice mencionado não se trata de um condomínio em que o porteiro não tem vínculo mais estreito com o morador, desconhecendo a maioria deles.


Contudo, trata-se de uma pousada em que o citando é um dos sócios. Por óbvio, todos os funcionários têm conhecimento de quem é o citando no local, além de terem o dever, como seus empregados, de informar o recebimento de correspondências importantes.


Cuidando-se, portanto, de local comercial onde o citando é sócio, a teoria da aparência tem aplicação, cabendo presunção de sua ciência quanto ao recebimento da citação, ora reconhecida e consumada in casu, conforme nossos argumentos aqui defendidos.


Considerações finais


O tema deste trabalho revela-se interessante e oportuno, por se prestar de princípios fundamentais ao estudo do direito processual, hoje voltado precipuamente para sua finalidade, e não mais apenas para os conceitos, categorias e formas.


Valores como instrumentalidade e efetividade ocupam lugar de maior proeminência para bem compreender as funções políticas e sociais que vieram a se somar à natural função jurídica do processo.


Na segunda metade do século XX, o direito processual civil enfrentou a maior evolução doutrinária, desde sua emancipação do direito material e depuração de seus conceitos fundamentais.


Superada a fase científico-dogmática, passou-se à determinação e valorização de seus verdadeiros e definitivos objetivos, para com estes proceder à adequação dos conceitos e princípios até então fixados e analisados estaticamente.


Enfrentou-se, a partir daí, a dinâmica do processo, visto que após um século de ciência a seu respeito, pouco ou nada se alterara quanto a sua eficiência prática em favor do titular do direito subjetivo lesado ou ameaçado, ou seja, em favor daquele sujeito da lide a que, afinal, o Estado deverá prestar a tutela jurídica constitucionalmente prometida.


A conclusão a que chegaram os mais conspícuos cientistas do processo e que, aos poucos, evoluiu até os dias de hoje: não basta ao direito processual a pureza conceitual de seus institutos e remédios; mais importante do que tudo isto é a obtenção de resultados.


O processo contemporâneo é um processo de resultado, acima de tudo. Com essa guinada completa nos rumos do processo, a bússola adotada pelos juristas da área concentrou-se na ideia de efetividade, que não era nova, mas que sofreu notável valorização dentro dos novos caminhos abertos para o estudo e aperfeiçoamento da função jurisdicional.


Deste modo, insta observar que o tema da instrumentalidade do processo não é novo; o que se tem pretendido é o estabelecimento de um novo método do pensamento dos processualistas, intérpretes, julgadores e legisladores, qual seja, colocar o processo no seu devido lugar, evitando os males do exagerado rigorismo formal dos atos do processo.


Certamente, como resultado da herança cultural (que remonta a época do Brasil-colônia) – que teimamos em ignorar -, nosso ambiente processual e nossas práticas judiciárias são marcadas por forte natureza burocrática.


A burocracia, enquanto desvio de natureza de atos normais, não precisa de lógica para viver. Ao contrário, ela prescinde da inteligência, pois cada ato se justifica por si mesmo, independentemente da finalidade do processo.


Reconhecemos que a forma dá segurança ao debate processual. Entretanto, quando a forma passa encontrar razão de ser em si mesma, deixando de ser instrumento, mas finalidade do processo chegamos ao formalismo, manifesto inimigo da Justiça, sendo causa e efeito da burocracia.


Entretanto, a mudança da cultura não depende apenas de uma lei que determine sua alteração para não incorrer no risco de se deixar aprisionar nas teias das abstrações, perdendo contato com a realidade.


É necessária uma maior racionalidade na apreciação dos atos processuais, em especial o ato citatório para que a prestação da justiça se efetue com a presteza indispensável à eficaz atuação do direito, repelindo desta forma o nefasto “culto exacerbado a forma” no processo, bem como, prestigiar a boa fé neste âmbito e a coibir a deslealdade processual.


No que tange ao nosso tema, o demandado não pode criar embaraços à efetividade das decisões judiciais, subtraindo-se da jurisdição, empregando meios maliciosos de ocultação e oferecendo resistência injustificada à tramitação do processo.


Portanto, o presente trabalho não tem como intuito a apologia à “anarquia processual” e sim, tecer as seguintes considerações conclusivas:


O sistema processual pátrio é informado pelo princípio da instrumentalidade das formas e do prejuízo; somente a nulidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada.


Doutra parte, as normas sobre processo, albergadas pela garantia constitucional que consagra o devido processo legal como instrumento de tutela dos indivíduos contra o exercício arbitrário são amenizadas ou contemporizadas pelos princípios da instrumentalidade e da efetividade.


A finalidade deste ato processual, qual seja, dar ciência da demanda ao seu destinatário, deve ser o fim, prevalecendo-se sobre a forma, sendo defeso ao demandado se utilizar das formas prescritas nas legislações processuais com o intuito protelatório ou mesmo para se evadir da tutela jurisdicional.


Sob este prisma, a regra da pessoalidade da citação (artigo 242 do CPC) é excepcionada, enquanto ato instrumental, prestigiando-se, portanto, a concretização da sua finalidade, qual seja, dar ciência ao demandado acerca da existência da ação, não obstante a consecução implícita ou indireta do ato no processo.


Notas e Referências Bibliográficas:


[1] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. P. 305.


[2] SILVA, De Plácido e. Vocabuário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998. P. 639.


[3] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. Saraiva. 2000. P. 10-30.


[4] TUCCI, Jose Rogerio Cruz e. Código de Processo Civil Anotado. AASP. Digital. P. 12.


[5] NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16ª. Edição. Saraiva. 2016. P. 836.


[6] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume 01. 59ª edição. 2018. P. 540.


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