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Fahrenheit 451 e o mundo das telas


Resenha da obra distópica de Ray Bradbury e sua análise e conjuntura atual.

"As pessoas precisam de informações de qualidade, de tempo livre para digeri-las e de liberdade para agir de acordo com o que aprenderam" (Professor Faber, Fahrenheit, 451).

Fahrenheit 451: um romance instigante ambientado em um futuro distópico onde os livros são proibidos e as mídias digitais prevalecem.

As telas são as protagonistas. “O televisor é “real”. É imediato, tem dimensão. Diz o que você deve pensar e o bombardeia com isso. Ele tem que ter razão. Ele parece ter muita razão. Ele o leva tão depressa às conclusões que sua cabeça não tem tempo para protestar: “Isso é bobagem!” (BRADBURY, 2020, p. 68).

Os livros configuram uma ameaça ao sistema, por tornar as pessoas antisociais, onde o passado e a memória, intrínsecos a sua literatura são refutados em defesa de um progressismo representado pela persuasão das telas – “sociedade perfeita e uniforme”.

Para exterminá-los, basta chamar os bombeiros, que outrora se dedicavam à extinção de incêndios, mas que agora são os responsáveis pela manutenção da ordem, queimando publicações, a uma escala de temperatura - fahrenheit - ao grau 451, que é o ponto de combustão, dando origem ao título da obra.

Em comparativo à obra “1984” de Orwell, o governo da novela de Bradbury visa a aniquilação total do inimigo, carbonizando as pessoas que se desviam da maioria, juntamente com os seus livros, ao passo que naquela, a preocupação é quanto as ideias de rebelião, criminalizando os pensamentos, com vigilância extrema e práticas de tortura, para “ressocialização”.

Como semelhanças, ambas retratam cenários totalitários, com a supressão da liberdade individual de pensamento e autonomia. Todavia, Bradbury “percebe o nascimento de uma forma mais sutil de totalitarismo: a indústria cultural, a sociedade de consumo e seu corolário ético — a moral do senso comum”. (BRADBURY, 2012. p. 15).

Para coroar a alienação em que vive essa nova sociedade, as casas são dotadas de televisores que ocupam paredes inteiras de cômodos e exibem “famílias” com as quais se pode dialogar, como se estas fossem de fato reais.

Imerso nesta realidade, o personagem Guy Montag passa por uma crise ideológica - vida sem propósito -, em face da vida fútil de sua esposa e seu círculo social: os “parentes televisivos”, enquanto ele trabalha arduamente.

A situação muda quando ele conhece a vizinha Clarisse, uma jovem que reflete sobre o mundo à sua volta e que o instiga fazer o mesmo, passando a se rebelar contra o sistema, cujos capítulos finais, recomendamos a sua leitura.

Tanto em "Fahrenheit 451" quanto em nossa sociedade atual, as telas são usadas como uma forma de escapismo das complexidades e desafios da vida real. As pessoas muitas vezes recorrem às telas para evitar enfrentar questões ou emoções difíceis, o que pode ter efeitos prejudiciais na saúde mental e no crescimento pessoal.

Outro tema? A importância do lazer para consumir e digerir informações.

Vivendo na sociedade de hoje é quase impossível se desprender de nossos dispositivos, deixando-nos ansiosos e dispersos com uma necessidade insaciável de conteúdo, sem contemplação.

Fahrenheit 451 é uma ficção científica publicada há décadas atrás, porém, a sua trama é atual. Na obra, os livros são banidos por uma razão: trazem conhecimentos que geram reflexões, provocam debates, eternizam memórias e árduos aprendizados banidos por uma sociedade pautada pelo hedonismo e consumismo.

Estamos vivendo em uma era em que nosso intelecto está sendo atacado pela tecnologia, ou seja, somos cultivados por forças que se beneficiam de nossa ignorância, como bem dissertado por Isaac Asimov[1].

O totalitarismo, o aniquilamento de nossas individualidades e de nossas origens, laços familiares, e os temas sensíveis como o mundialismo, controle genético, adestramento comportamental e a intoxicação coletiva, são terrenos férteis para a percepção e ação dos contemporâneos em favor da própria preservação da espécie humana e de suas liberdades individuais.

Neste contexto, o dever do contemporâneo não é imitar o passado, mas rimar com ele; reconectando-se ao transcendente, a tradição, e seus princípios e valores, aprendendo com os acertos e erros de nossa história a construir uma fundação mais sólida para o futuro, em prol de um ecossistema de riquezas e oportunidades.

A raça humana é concebida, não cultivada. O homem deve escolher suas ações, valores e objetivos a fim de alcançar, manter, satisfazer e usufruir esse valor último, esse fim em si mesmo, que é sua própria vida.

Uma ressignificação do conceito de lazer é necessária como substituto de atividades vazias e irreais – veja o exemplo do metaverso, sem propósito - visando o bem-estar humano; a explorar a arte, música, cultura, ciência e a cultivar a inteligência emocional, conexão, contemplação, liderança de pensamento e o crescimento profissional e intelectual, afinal de contas, somos todos homens ou mulheres “livros”, protagonistas da nossa própria história.

Notas:

[1] “O anti-intelectualismo tem sido uma ameaça constante se insinuando na nossa vida política e cultural, alimentado pela falsa noção de que a democracia significa que “a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento” ASIMOV, Isaac. A Cult of Ignorance. Newsweek: 1980. Disponível em: https://aphelis.net/cult-ignorance-isaac-asimov-1980/?source=post_page-----2a70c053cf76--------------------------------.

Referências Bibliográficas:

RAND, Ayn. A virtude do egoísmo. Editora Ortiz. 1ª Edição. São Paulo, 1991.

BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451: a temperatura na qual o papel do livro pega fogo e queima. São Paulo: Globo, 2003.

ORWELL. George. 1984. Tradução de Wilson Velloso. 29ª edição. 2004. Companhia Editora Nacional.

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