top of page
Foto do escritorContemporâneo

Exclusão de sócio por falta grave

Atualizado: 13 de fev. de 2022



A retirada indevida de valores do caixa da empresa pelo sócio administrador é exemplo de falta gravíssima na gestão da sociedade limitada e pode colocar em risco a sua continuidade. Você sabe como se precaver?


“A maioria das pessoas não planeja fracassar, mas fracassa por não planejar” (J.L.Beckley).

Quando se constitui uma sociedade empresária, obviamente a intenção dos sócios é que o novo negócio e a sociedade se perpetuem no tempo, no entanto, por vezes, não é o que acontece.


O inadimplemento do dever de colaboração do sócio pode resultar em efetivo prejuízo da atividade social, com o consequente rompimento da affectio societattis. Assim, é de suma importância o planejamento societário, de modo a evitar o seu enfrentamento judicial.


De modo geral, muitas sociedades utilizam-se da via judicial para a exclusão do sócio e/ou de seu administrador, quando entendem que ele cometeu uma falta grave no cumprimento de suas obrigações. Nesse caso, é iniciado um longo processo judicial onde é necessário demonstrar cabalmente a ocorrência de um ato grave que justifique a exclusão do sócio da empresa.


Contudo, há alternativa mais satisfatória para solução do conflito. É possível prever no contrato social da sociedade limitada a possibilidade de excluir extrajudicialmente um sócio por justa causa, quando ele colocar em risco a continuidade da empresa.


Deverão ser previstas, no próprio contrato social, as condutas tidas como falta grave e uma cláusula expressa permissiva da exclusão do sócio infrator, desde que: (i) aprovada pela maioria dos sócios capitalistas; (ii) desde que estes representem mais de 50% do capital social; (iii) imputem ao sócio que se pretende excluir a prática de ato de inegável gravidade e que ponha em risco a continuidade da empresa (artigo 1085 do Código Civil).


Dessa maneira é de extrema importância que antes se realize um planejamento societário para a sua empresa delimitando quais seriam os atos de falta grave que sócios jamais poderiam cometer e elencá-los de forma pormenorizada no contrato social ou acordo de sócios para evitar ações judiciais morosas e custosas para a sociedade, blindando-se os seus negócios.


O Código Civil, em seu art. 1.085, estabelece situações em que haverá a exclusão do sócio pela via extrajudicial, mediante alteração no Contrato Social, mormente a hipótese de falta grave, pondo em risco a continuidade da empresa, cujo procedimento vai depender da quantidade de sócios da empresa. Vejamos:


QUANDO HÁ MAIS DE 02 (DOIS) SÓCIOS NA SOCIEDADE:


A exclusão de um ou mais sócios somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.


QUANDO HÁ APENAS 02 (DOIS) SÓCIOS NA SOCIEDADE:


A exclusão poderá ser feita sem a necessidade de reunião ou assembleia para votação e deliberação. Devendo, contudo, restar comprovado à falta grave praticada pelo sócio.


Reprisa-se: a alternativa de exclusão por simples alteração contratual, ou seja, de forma extrajudicial, só pode ser realizada se existir expressa previsão no contrato social da empresa. [1]


Não havendo previsão específica, a única via para exclusão de sócio será necessariamente a ação judicial. Neste contexto, caso um dos sócios opte por excluir o outro forçadamente e sem justo motivo devidamente comprovado, há ainda um alto risco de contestação judicial para reintegração à sociedade, bloqueio de ativos e/ou indenização pela conduta injustificada.


O tema proposto é bastante relevante, de hipótese recorrente no âmbito das sociedades e comporta grandes dificuldades teóricas e práticas, porquanto os conceitos de “falta grave” e “atos de inegável gravidade”, tal qual utilizados no texto do Código Civil vigente (artigos 1.030 e 1.085), são vagos e indeterminados.


A exclusão de um sócio deve estar sempre calcada em uma justa causa prevista pela lei ou no contrato social (desse que compatível com o ordenamento jurídico).


Mas o que seria uma falta grave passível de exclusão extrajudicial do sócio e por justa causa?


A doutrina [2] a define como instrumento de caráter privado assentado no âmbito do direito das obrigações, permitindo que a sociedade responda ao descumprimento grave de deveres por parte de um dos sócios por meio da resolução contratual mantido com o quotista inadimplente – e não com a sua dissolução total, preservando-se o ente societário.


Em síntese, a falta grave é um ato de rebeldia do sócio, inadmissível frente à vontade coletiva manifestada organicamente pela pessoa jurídica, cujo comportamento desleal prejudica o pleno desenvolvimento da empresa explorada pela sociedade, ou seja, a sua própria existência.


Este desvio de conduta devidamente tipificada no contrato social [3], por meio de cláusula permissiva que permite a expulsão do sócio por justa causa, enquanto sanção deve ser comprovada materialmente, por meio de elementos idôneos e irrefutáveis, bem como, o risco quanto à continuidade da empresa.


Conforme julgado “a simples e exclusiva quebra do affectio societatis não configura fundamento, por si só, suficiente para justificar a exclusão de sócio nos termos do art. 1.030 e 1.085 do Código Civil, pois para tanto é necessária a configuração da prática de falta grave pelo sócio que se pretende excluir, a tipificar justa causa”. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ap. n. 1018472-86.2019.8.26.0577. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Des. Rel. Pereira Calças. Julgado em 24/02/21).

O sócio acusado de falta grave, que caracterize o risco à empresa referido no art. 1.085 do Código Civil, deverá ser cientificado da acusação por meio de uma notificação de exclusão na qual se detalhem as condutas que lhe imputam os demais sócios, em tempo hábil a permitir o seu comparecimento e o exercício do direito de defesa no conclave convocado para excluí-lo.


Conforme inteligência do artigo 1.152 do Código Civil, caso o contrato social seja omisso, o edital de convocação deverá ser publicado em jornal e Diário Oficial por, no mínimo, 03 (três) vezes.


Neste contexto, cumpre consignar sobre a necessidade de constar na ata da assembleia/reunião a exclusão por justa causa ou falta grave e, se for administrador, a deliberação sobre a sua destituição do cargo (ordem do dia). Se a sociedade for controladora de outras, deverá, também, constar autorização para que a administração da controladora possa manifestar voto favorável para a destituição da pessoa excluída também nas subsidiárias.


Por derradeiro, é de extrema importância realizar a alteração do contrato social, com relação a esta alteração societária, tendo como referência a respectiva ata, em conjunto com as alterações de suas cláusulas (capital social e administração), registrando-se, ao final, todos os seus documentos na Junta Comercial competente (ata, contrato social e publicações).


Diante disso, é oportuno destacar: a escolha do legislador em deixar os conceitos de justa causa, falta grave e atos de inegável gravidade como indeterminados foi, de fato, a mais acertada na medida em que possibilita a realização de análises que levam em consideração as particularidades de cada sociedade sem, contudo, deixar de exigir a fundamental comprovação da sua ocorrência.


Como exemplo prático, a 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo excluiu do quadro societário o sócio administrador pelo fato de ter retirado valores do caixa da empresa sem autorização dos demais sócios, e também destituído do cargo de administrador:

“Sociedade limitada - Ação de dissolução parcial Pleitos de exclusão de sócio e destituição de administrador - ... Descumprimento dos deveres de sócio atribuídos à apelada - Interpretação do art. 1.030 do CC/2002 - Não se pode admitir possa um dos sócios embolsar valores, em contrariedade total e absoluta ao conteúdo dos votos colhidos em reunião realizada, confrontadas as Cláusulas 9ª, §2º e 15 do contrato social, mesmo diante da prática reiterada de anos anteriores - Vulneração à integridade patrimonial da pessoa jurídica - Falta grave configurada - Destituição do administrador derivada do reconhecimento da incompatibilidade do prosseguimento na prática de atos de administração e da extinção do vínculo jurídico com a empresa individual por este mantida - Sentença reformada - Procedência da ação - Ressalva feita quanto ao descabimento da imposição de ônus sucumbenciais derivados da rejeição de pedido contraposto - Recurso provido em parte. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ap. n. 1001794-54.2018.8.26.0472. Des. Rel. Fortes Barbosa. Julgado em 17/11/2021).

Nesta toada, a exclusão extrajudicial poderá ocorrer tanto em relação aos minoritários como em relação ao majoritário, desde que, previsto os requisitos delimitados no caput do artigo 1.085 do Código Civil, conforme esmiuçamos acima.


Contudo, importante consignar por fim, que, se o sócio majoritário, possuir a maioria do capital social ou ser sócio controlador, tal operação não será possível, devendo o Poder Judiciário ser acionado, através do instituto da exclusão judicial [4], o qual exige apenas que a “maioria dos demais sócios” tome a iniciativa pela exclusão forçada, ajuizando a ação competente para tal finalidade específica.


O instituto da expulsão do sócio, enquanto sanção visa preservar a atividade empresarial, evitando que sociedades empresárias entrem em colapso em razão da existência de divergências e discordâncias insuperáveis entre seus sócios e, até mesmo, em decorrência da prática de condutas danosas à sociedade pelo sócio majoritário.


É importante mencionar ainda que o artigo 1032 do Código Civil prevê que após a averbação da retirada ou exclusão do sócio, este não se exime da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores até dois anos.


A confiança é pressuposto de todo e qualquer negócio, mormente na relação entre os sócios. É a força motriz da economia porquanto permite a troca de serviços e/ou produtos e benefícios mútuos entre as pessoas. É, de certo modo, um meio indispensável para o surgimento e conclusão de negócios.


Conforme vimos, é necessário um maior planejamento societário, por meio da redação de cláusulas explícitas no contrato social, prevendo a expulsão do sócio desleal, pois sua ausência importará na morosidade e maiores custos decorrentes da sua judicialização.


Além de uma boa formalização societária, sugerimos outras formas de prevenção: transparência das informações, administração conjunta das finanças, poder compartilhado, processos de decisão formalizados, controles de caixa e de resultados, acesso à conta corrente e aos sistemas e assinaturas conjuntas, registro de ocorrências e coleta de provas irrefutáveis de quaisquer desvios e infrações, políticas de compliance, dentre outros.


A disputa judicial pode até ser eficaz, mas é lenta e custosa e na maioria das vezes coloca em risco a companhia que fica mais exposta ao mercado, podendo inclusive abalar sua imagem e seu crédito.


Pilote a empresa como um aviador. A aviação nos dá ensinamentos muito úteis para a gestão de empresas e, principalmente, para momentos de “turbulência” representados pelos atritos societários.


Antes da decolagem, durante o voo e no pouso, os pilotos tomam decisões com amparo nas informações obtidas por instrumentos e equipamentos, passíveis de extirpar quaisquer riscos de acidentes e imprevistos, porquanto tanto ele como os demais tripulantes podem sofrer o infortúnio quanto a eventual negligência na condução da aeronave.


O painel de instrumentos de um avião fornece todos os indicadores para que o piloto tome as melhores decisões com o objetivo de levar a aeronave, com segurança, ao destino planejado, no menor tempo e com o menor custo.


As informações contidas na cabine de pilotagem são numéricas. A altitude é fornecida em pés, a velocidade em nós, à distância em milhas, o funcionamento dos motores em RPM, pressão atmosférica em milibares, a proa em graus, e assim por diante.


O planejamento é algo intrínseco ao mundo da aviação. Nada de ficar pilotando só olhando as lindas paisagens pelo para-brisa! Voar seguro somente é possível com foco nos indicadores e maior discernimento sobre as suas informações.


Assim também deveria ser na gestão de empresas, e o destino sempre um aeroporto chamado SEGURANÇA JURÍDICA.


Por analogia, o plano de voo poderia ser um contrato social bem estruturado, como meio de perpetuação e estabilidade aos novos horizontes corporativos.


A fim de evitar “turbulências” entre os seus sócios, é bastante recomendável à procura por especialistas da área societária preventiva, visando à elaboração customizada e assertiva dos contratos sociais, para alçar voos de prosperidade e segurança aos seus negócios.


*Foto: Free-Photos por Freepick (Imagem ilustrativa)



Notas:


[1] No caso do sócio remisso (que não cumpre com a sua obrigação de contribuir para a formação do capital social) é admitida a exclusão extrajudicial mesmo que não exista cláusula contratual expressa, tendo em vista a previsão legal (C.C. arts. 1.004 e 1058).


[2] REQUIÃO, Rubens. A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio. Curitiba, 1959. Tese apresentada para o concurso à cátedra de Direito Comercial – Universidade do Paraná, 1959, p. 15 e 174.


[3] Como exemplo de cláusulas, podemos aventar a hipótese de expulsão de um sócio que pratica atos de concorrência com a própria sociedade, retirada indevida de valores do caixa da empresa, utilizar a denominação social para fins estranhos ao objeto social, dentre outros, e consequente critérios quanto a apuração de haveres, por ocasião da sua exclusão. Na saída do sócio, negocie cláusulas de não competição e de não contestação da dissolução.


[4] Na apuração da maioria absoluta do capital social para fins de exclusão judicial de sócio de sociedade limitada, consideram-se apenas as quotas dos demais sócios, excluídas aquelas pertencentes ao sócio que se pretende excluir, não incidindo a condicionante prevista no art. 1.085 do Código Civil de 2002, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social. (STJ. Terceira Turma. REsp n. º 1.653.421. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 10/10/2017).

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page